sexta-feira, 18 de março de 2016

Crise no Brasil: o A a Z da Operação Lava-Jato

Na semana em que completa dois anos, a operação que investiga o escândalo da Petrobras, envolvendo quadros da petrolífera, príncipes da construção e meia Brasília, chegou de vez à imprensa internacional com o envolvimento de Lula. É o maior esquema de corrupção conhecido no país, com valor desviado estimado em 10 mil milhões de euros. São 133 prisões e 84 condenações em mais de mil procedimentos criminais liderados pelo juiz Sérgio Moro.

A
ALETHEIA
A palavra que na Grécia Antiga designava "busca pela verdade" batizou a 24.ª e mais mediática ação da Operação Lava-Jato: a que levou o ex-presidente Lula da Silva a depor coercitivamente na esquadra do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Acusado de se beneficiar de obras pagas por construtoras envolvidas no Petrolão em imóveis que garante não serem seus, o ex-presidente aproveitou o caso para anunciar candidatura à presidência em 2018.
B
BUMLAI
O seu nome ficou na memória de quem frequentava o Planalto durante a presidência de Lula por ser a única pessoa, além da primeira-dama Marisa Letícia, que poderia entrar no gabinete sem ser anunciado. O "amigo de Lula", como lhe chama a imprensa, ou "il consigliere", como o classificam os detratores do ex-presidente, é réu da Lava-Jato por três crimes. Equaciona agora fazer acordo de delação premiada [ver letra T].
C
CONDUÇÃO COERCITIVA
Expressão jurídica que entrou no dicionário político brasileiro à mesma velocidade com que Lula foi levado pelos agentes da polícia a depor. Considerado por juristas e por observadores independentes como o primeiro erro de Sérgio Moro na Lava-Jato, a condução coercitiva deu novo ânimo ao líder histórico do PT. Afinal, como disse o próprio, "a jararaca ainda está viva".
D
DELCÍDIO DO AMARAL
O senador do PT, conhecido como Antonio Fagundes do Pantanal pela farta cabeleira branca, foi apanhado numa gravação a oferecer ao filho da testemunha-chave Nestor Cerveró [ver letra N] uma fuga para o estrangeiro e o pagamento de comissões em nome do então presidente do BTG Pactual e estrela da alta finança André Esteves pelo seu silêncio. Foi o primeiro político em funções detido na operação. Depois, fez delação premiada (ainda não homologada) onde citou Lula, Dilma, Aécio, Temer...
E
EDUARDO CUNHA
O presidente da Câmara dos Deputados, a figura de 2015 para o bem e para o mal (sobretudo para o mal), fez a vida negra à presidente ao mesmo tempo que se foi enterrando até ao pescoço na Lava-Jato. Citado cinco vezes por delatores, ainda está em processo de explicação na Comissão de Ética da casa a que preside por "falta de decoro", ao ter negado, e mais tarde ter sido desmentido pelos factos, que possui contas na Suíça.
F
FERNANDO BAIANO
Nem só o PT está envolvido no Petrolão. Longe disso. No PMDB, o infiel parceiro de coligação dos petistas no governo, todos os barões já foram citados ao longo da Lava-Jato. Além de Eduardo Cunha, também Renan Calheiros (líder do Senado) está sob investigação. O vice-presidente Michel Temer, entre outros, também foi mencionado. Fernando Baiano era, segundo a investigação, o operacional ao serviço do partido no esquema.
G
GOVERNO
A Câmara dos Deputados, pela ação asfixiante de Eduardo Cunha, e a economia, com indicadores a baterem recordes negativos, são problemas gigantescos para o governo liderado por Dilma Rousseff. É a Lava-Jato, porém, último exemplo da corrupção à brasileira, o rastilho que pode atear fogo nas ruas e incendiar o Planalto. Do discreto gabinete de Sérgio Moro numa rua de Curitiba joga-se o futuro do governo em Brasília.
H
HERMES MAGNUS
A Lava-Jato chama-se assim porque desde 1997 que um grupo de intermediários tentava lavar o dinheiro desviado na Petrobras numa rede de lavandarias e postos de combustíveis. Foi Hermes Magnus, um anónimocomerciante, quemdenunciou o esquema ainda em 2008 quando se apercebeu de que a Dunel, a sua empresa, seria envolvida. Dessa denúncia, puxou-se o novelo até se chegar ao topo da hierarquia do Estado.
I
ISHII
Newton Ishii é o rosto da Lava-Jato. Também conhecido como "japonês da federal", o agente deu nas vistas por conduzir todos os acusados ilustres aos cárceres do departamento de polícia de Curitiba. Mais tarde, foi citado na gravação que prendeu Delcídio do Amaral [ver letra D] como "o japonês bonzinho" que ajudava os detidos e fazia escapar informações para a imprensa.
J
JOSÉ DIRCEU
O réu mais mediático do Mensalão, é só mais um no Petrolão, o que dá a exata medida da dimensão do escândalo investigado pela Lava-Jato. Mito da esquerda brasileira e braço-direito de Lula no governo, é um caso típico de passagem da glamorosa condição de preso político na ditadura à embaraçosa posição de político preso em democracia. Divide com o ex-deputado Pedro Corrêa o duvidoso mérito de acumular envolvimento no Mensalão e no Petrolão.
K
KODAMA
Nelma Kodama, namorada de Alberto Youssef [ver letra Y], foi condenada a 18 anos de prisão na Lava-Jato. Detida por tentar embarcar para a Europa com 200 mil euros nas cuecas, proclama-se "a grande dama do mercado de câmbio" no país. Chamada a explicar-se perante a comissão de deputados no Congresso Nacional, ficou famosa por exemplificar no depoimento onde levava o dinheiro e por cantar tema de Roberto Carlos.
L
LULA
Se há um Brasil antes de Lula e outro depois de Lula, também há uma Lava-Jato antes do torneiro-mecânico que chegou à presidência e outra depois dele. De apenas mais um escândalo de corrupção num país sul-americano, a operação conduzida por Sérgio Moro tornou-se aos olhos da opinião pública mundial o caso que pode levar um mito à prisão. "Se for preso serei herói, se for morto, um mártir, se ficar solto serei presidente", reagiu Lula.
M
MARQUETEIRO
João Santana, o homem que casou sete vezes, experimentou todas as drogas, formou uma banda, tirou cursos de quiromancia e hipnotismo e acredita ser a reencarnação de um físico italiano, é, para a imprensa, "um marqueteiro", termo levemente pejorativo. No PT, onde venceu três presidenciais, preferem chamar-lhe "mago". Ao detê-lo há duas semanas, a polícia deteve também um pedaço de Dilma. Ele era, com Lula, o seu principal conselheiro.
N
NESTOR CERVERÓ
Antes do "japonês bonzinho" [ver letra I], Cerveró era o "anónimo tornado celebridade" da Lava-Jato, a julgar pela procura de máscaras de Carnaval com a sua cara (é notado por sofrer de exoftalmia: assimetria nos olhos). Mas tornou-se mais do que isso quando o seu filho Bernardo, ator que interpretou "O Principezinho" nos teatros, gravou o senador Delcídio do Amaral [ver letra D], sem este saber, a combinar a sua fuga e o seu silêncio.
O
ODEBRECHT
É o nome da maior construtora do Brasil e o apelido de um dos presos mais ilustres da Lava-jato, Marcelo Odebrecht, outrora príncipe da construção civil e empreiteiro-oficial do lulismo. Marcelo foi preso na 14.ª fase da operação, em junho, ao lado de Otávio de Azevedo, da construtora vice-líder Andrade Gutierrez, no momento mais impactante da operação até Lula entrar em cena. Foi condenado a 19 anos. Equaciona delação premiada [ver letra T].
P
PSDB
O PSDB, maior partido da oposição, podia estar a surfar no sangue do PT e do PMDB. Mas não está: primeiro, porque dirigentes seus, como o próprio presidente do partido Aécio Neves, aqui e ali são citados por delatores. E depois porque é um saco de gatos político com três pré-candidatos à presidência em 2018 a acotovelarem-se mutuamente: Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e os senadores José Serra e Aécio Neves.
Q
"QUE PAÍS É ESTE?"
A 10.ª fase da Operação Lava-Jato chamou-se "Que País é Este?" e resolveu prender preventivamente o diretor da Petrobras Renato Duque, suposto elo de ligação do PT com o esquema de corrupção na estatal. O nome deve-se à expressão, genuinamente indignada, usada por Duque, na hora da detenção: "Que país é este?" A frase é o título de um tema da banda Legião Urbana, tornado hino contra a corrupção nos anos 80.
R
RODRIGO JANOT
O procurador-geral da República, de 59 anos, é um dos protagonistas da Lava-Jato. Escolhido para a função em 2013, substituindo Roberto Gurgel, que se destacou durante o Mensalão, foi reeleito pelos seus pares em agosto de 2015. Respeitado pela fama de incorruptível, considerou Petrolão e Mensalão farinha do mesmo saco: desvio de dinheiros públicos para irrigar campanhas eleitorais.
S
SÉRGIO MORO
Aos 43 anos, o discreto juiz de primeira instância de Curitiba, no Sul do Brasil, é, a contragosto, uma celebridade. Obcecado pela Operação Mani Pulite (Mãos Limpas), que desmontou a relação entre a máfia e os principais dirigentes políticos italianos nos anos 1990, e pelo instituto de delação premiada nos termos defendidos pelo juiz americano Stephen Trott, vem conduzindo com determinação a Lava-Jato. Mas foi arbitrário, dizem especialistas, na Aletheia [ver letra A] .
T
TROTT
O juiz americano Stephen Trott, de 76 anos, é considerado referência mundial no instituto da delação premiada, trave mestra da investigação da Lava-Jato, e referência para Moro. Contra os detratores, afirma que "sem delação não há punição", mais ou menos o mesmo que defende o brasileiro: "Queremos pescar um cardume em vez de um peixe."A pena somada dos 13 delatores da Lava-Jatopassaria dos 200 anos, com o prémio não chega a sete.
U
UTC ENGENHARIA
A faturação anual da construtora UTC Engenharia cresceu 20 vezes durante o lulismo. Envolvida no escândalo da Petrobras, teve de despedir metade dos 30 mil funcionários, vender a sede e desfazer-se de parte dos seus negócios. O seu presidente, Ricardo Pessoa, e outros executivos da empresa foram detidos na Operação Juízo Final, a 7.ª fase da Lava-Jato, em novembro de 2014.
V
VEJA
Com doses iguais de legítima razão de queixa e de mania da perseguição, o PT afirma ser vítima da imprensa - alguns petistas chamam-lhe o PIG (Partido da Imprensa Golpista). A TV Globo e os jornais 'O Globo' e 'Folha de S. Paulo' dizem-se imparciais. 'O Estado de S. Paulo' assumiu preferência por Aécio Neves, em 2014. Mas é a revista Veja, da Editora Abril, o reduto do jornalismo empenhado em apear o PT do poder via Lava-Jato (ou por outra via qualquer).
W
WALDIR MARANHÃO
Caso Eduardo Cunha [ver letra E], o político mais odiado do Brasil (por 76 % dos brasileiros, segundo sondagem Datafolha de fevereiro), venha a ser destituído da presidência da Câmara dos Deputados por causa do envolvimento na Lava-Jato, assume Waldir Maranhão. Para moralizar a casa? Não tanto. Maranhão também é investigado pelo Supremo na mesma operação e noutros casos anteriores.
X
XXX
A Operação Triplo X, batizada assim em homenagem do tríplex do edifício Solaris, no Guarujá, que a investigação da Lava-Jato suspeita que pertence a Lula, serviu de preparação para a Operação Aletheia [ver letra A], realizada pouco mais de um mês depois. Diz a defesa do ex-presidente que ele rejeitou o imóvel por se sentir preso por lá, já que não podia usufruir da praia paradisíaca em frente, dada a sua posição no país.
Y
YOUSSEF
No Mensalão, o publicitário Marcos Valério deu origem a um neologismo, o "valerioduto" por ser através dele que o dinheiro circulava. Foi punido com a maior pena do processo: mais de 40 anos. Na era da delação premiada, aquele que é grosso modo o equivalente a Valério no Petrolão, o intermediário Alberto Yousseff, com antecedentes em crimes semelhantes, foi condenado a meros três anos. Menos do que a namorada Nelma. [ver letra K]
Z
ZELOTES

Operação que investiga benefícios fiscais de membros de órgão fiscalizador a empresas e que corre paralela à Lava-Jato há um ano. Luiz Cláudio, filho de Lula, é suspeito de intervenção a favor de firmas do ramo automóvel, usufruindo de medidas provisórias durante o governo do pai. Lula é acusado de corrupção passiva e já prestou depoimento como testemunha (DN-Lisboa)

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