sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Um em três comissários de Durão Barroso saíram de Bruxelas para o setor privado

Em menos de um ano, um terço dos elementos do segundo Executivo de Durão Barroso atravessaram a porta giratória que liga Bruxelas ao mundo dos negócios. Próprio português que esteve durante dois mandatos à frente da Comissão é apontado como tendo assumido 22 funções ligadas ao setor privado
Um em cada três comissários europeus que pertenceram, até 2014, ao executivo de Durão Barroso passou pela “porta giratória” para assumir lugares diretamente em empresas multinacionais ou organizações relacionadas com os grandes negócios. A denúncia é do Observatório da Europa Corporativa (CEO, na sigla inglesa), uma organização não governamental, com sede em Bruxelas, que há vários anos alerta para os riscos de promiscuidade entre o organismo dirigente europeu, responsável por normas que afetam mais de 500 milhões de cidadãos, e os interesses empresariais.
Num relatório divulgado esta quarta-feira, 28, intitulado A porta giratória volta a rodar, o CEO diz recear que a situação esteja a conduzir a uma relação estreita e pouco saudável entre o Executivo comunitário e os interesses privados. Na perspetiva da ONG antilobbying, pelo menos oito funções de porta giratória, mantidas por quatro ex-comissários, não deviam ter sido sequer autorizadas, "devido ao risco de possíveis conflitos de interesse".
Antigos membros da comissão Barroso, que tiveram de lidar, no final da década passada, com as consequências do crash dos mercados financeiros globais, estão agora na folha de pagamentos do setor financeiro. Neelie Kroes, holandesa que pertenceu aos dois executivos liderados por Barroso (primeiro com a pasta da Concorrência, depois vice-presidente e comissária da Agenda Digital,) está com o Bank of America Merrill Lynch. Por seu turno, o belga Karel de Gucht ligou-se à sociedade de private equity CVC e à gestora de fortuna Merit Capital (da qual é acionista). Este antigo comissário do Comércio, que iniciou as negociações euro-americanas com vista à Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimentos (TTIP), recebeu da atual comissão de Jean-Claude Junker também a bênção para se juntar à operadora de telecomunicações Belgacom (agora designada de Proximus).
Um problema antigo
“O mundo muito entrelaçado de políticos funcionários públicos, industriais e lobistas, conhecido como a 'a bolha de Bruxelas' leva por si só a relações doentiamente estreitas entre reguladores e regulados», considera o relatório do CEO. Associado a esse mundo surge o fenómeno das portas giratórias entre os setores público e privado, libertando enorme potencial de conflito de interesses.
“A porta giratória reflete um aspeto do sequestro do processo decisório da União Europeia pelo mundo empresarial”, denuncia o relatório.
Já no final do primeiro mandato de Durão Barrosso, em 2010, se assistiu a escândalos semelhantes, denunciados por várias ONG, através da Aliança pela Transparência do Lobbying e Regulação Ética.
Dos seis dos 13 comissários que cessaram funções nessa altura, fizeram uma transição quase imediata para o setor empresarial ou para o lobbying.
O caso mais mediático foi o do irlandês Charlie McCeevy, que ao deixar a pasta do Mercado Interno foi trabalhar com a unidade de derivados da BNY Mellon, uma empresa de investimentos internacionais, entrou para as administrações da Ryanair e da Sentenial, uma tecnológica especializada em sistemas de pagamentos para a banca. Outro caso foi o do alemão Günter Verheugen, antigo comissário para as Empresas e Indústria, que criou, juntamente com o seu antigo chefe de gabinete, a empresa de consultoria European Experience Company. Mas não ficou por aí. Juntou-se ainda à administração da FleishmanHillard (uma empresa de consoltoria de lobbying), tornanou-se consultor sénior e vice-chairman da sucursal alemã do Royal Bank of Schotland com os pelouros da banca global e dos mercados da Europa, Médio Oriente e África.
O escândalo teve repercussões e as regras foram alteradas para padrões, que sugundo foi dito pela Comissão às ONG refletiriam “as melhores práticas na Europa e no mundo”.
Contudo, comenta o Observatório, muitas lacunas permaneceram.
O relatório divulgado esta quinta-feira, 28, demonstra que, apesar da alteração das regras, as portas continuaram a girar entre os setores público e privado, depois de Barroso ter cedido o seu lugar a Jean Claude Junker.
O Observatório tem sucessivamente denunciado aquilo que diz serem as tentativas do setor empresarial e dos lobis corportativos para influenciarem as políticas da União Europeia. E alega que essas tentativas nunca foram tão bem sucedidas como durante o segundo mandato de Durão Barroso, sobretudo nas áreas da agricultura e alimentação, finança, políticas económicas e orçamentais.
O código de conduta estipula que, durante os 18 meses posteriores à cessação de funções, os ex-comissários têm de comunicar quais são as suas novas funções. E que quando essas estiveram relacionadas diretamente com o trabalho anterior, torna-se obrigatório pedir um parecer à Comissão de Ética, mas que não é vinculativo.
Durante esses 18 meses, não podem trabalhar como lobistas de entidades privadas. Mas segundo o estudo do CEO, as linhas vermelhas são subtis, flexíveis e, aparentemente, fáceis de contornar.
Em compensação pelo período de nojo de um ano e meio, um ex-comissário europeu tem direito a uma pensão. Dependendo dos anos em que esteve em cargos executivos, essa pode oscilar entre 40 a 65% do salário auferido enquanto comissário no ativo. E esse vencimento é de 250 mil euros anuais, desde 2012.
No caso do presidente da comissão, o salário sobe para 306 mil euros por ano, sem contar com complementos e outros benefícios.
Barroso, o campeão
Durão Barroso é o campeão das funções pos-comissão. O ex-presidente da Comissão ocupa 22 lugares de destaque, no meio académico, das artes, emthink tanks e em agências de mediação de oradores para conferências. Entre as novas funções do ex-primeiro ministro português está a de presidente honorário da Comissão Hononrária da Cimeira de Negócios Europeia e a de membro da Comissão Organizadora das Conferências de Bilderberg.
Esta última foi apreciada pela Comissão de Ética ad hoc, desconhecendo-se até que ponto foi tido em conta o facto de se tratar de um fortíssimo grupo de pressão. Quanto à primeira, por ser um lugar honorífico, a Comissão contentou-se em ser notificada da nomeação do ex-presidente para a Cimeira Europeia de Negócios – “o maior evento de lobby empresarial no calendário da 'bolha de Bruxelas'”, considera o CEO.
Para o Observatório, remuneradas ou não, honoríficas ou não, todas as funções pós-comissão sujeitar-se a uma autorização formal. “Por uma questão de clareza e transparência”. “Os antigos comissários deveriam ser explicitamente proibidos de aceitar qualquer nova função suscetível de acarretar riscos de conflito de interesses, com o cargo que anteriormente desempenharam por um período de três anos”, lê-se no relatório.
Alguns factos do relatório
- 26 comissários do Executivo Barrosso II desempenham 117 funções pós-comissão. Dessas 117, 98 foram formalmente autorizadas pela Comissão
- 37 foram avaliadas por uma comissão de ética ad hoc, cujo parecer não é vinculativo

- 9 dos 26 comissários passaram pela porta giratória para funções em empresas e organizações ligadas ao mundo dos negócios. O CEO considera que oito postos, ocupados por quatro ex-comissários deviam ter sido liminarmente rejeitadas (texto do jornalista da Visão, Francisco Galope)

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