sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Quando PS e PSD/CDS defendiam exactamente o contrário do que dizem hoje

O mês de Novembro de 1998 foi politicamente ciclónico no Faial, a ilha que Nemésio retratou em “Mau Tempo no Canal” e onde está instalada a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Carlos César, que foi ontem eleito líder parlamentar do PS, era desde 1996 presidente do Governo Regional dos Açores. O PS tinha vencido as eleições da sucessão de Mota Amaral, mas sem maioria absoluta. Carlos Costa Neves, o agora indigitado ministro dos Assuntos Parlamentares, chefiava o PSD/Açores. O primeiro governo de César, sem maioria na Assembleia Legislativa Regional, lá ia governando com o apoio do CDS.
Mas em 1998 aconteceu uma reviravolta. O PSD de Costa Neves e o CDS/PP de Alvarino Pinheiro fazem um acordo em que, juntos, se manifestam prontos a protagonizar uma alternativa política ao governo PS. Exactamente o que se está a passar neste momento, só que com outros protagonistas. Agora, é a coligação PSD-CDS que venceu as eleições sem maioria e o PS, PCP e Bloco, que têm a maioria na Assembleia da República, que estão dispostos a derrubar o governo.
PSD e CDS, juntos, conseguiram derrubar o presidente da Assembleia Legislativa Regional, o socialista Dionísio Sousa – um episódio semelhante ao facto de, na semana passada, Ferro Rodrigues ter sido eleito presidente da Assembleia da República com o apoio do PS, PCP e Bloco de Esquerda.
Carlos Costa Neves queria levar o acordo político a que tinha chegado com o CDS/Açores até às últimas consequências: o derrube do governo de Carlos César. Ao i, Costa Neves conta agora que teve uma conversa com o então Presidente da República, Jorge Sampaio, que lhe garantiu que dissolveria a Assembleia Legislativa Regional dos Açores se PSD e CDS fossem por essa via.
A questão deu azo a infindáveis discussões jurídicas. O PSD considerava que a possibilidade de o Presidente da República dissolver a Assembleia Legislativa Regional dos Açores só em caso de “atentados contra a Constituição da República”, que se entendia como declaração de independência ou questões similares. Mas o aviso de Jorge Sampaio fez desmotivar o PSD-Açores. A ideia de que o Presidente da República nunca aceitaria um governo regional dos Açores nascido a partir da Assembleia Legislativa Regional travou o PSD e o CDS de derrubarem o primeiro governo César.
Assim, o único momento simbólico do acordo político PSD/CDS foi o derrube, através de uma moção de censura, do presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, Dionísio de Sousa.
Foi a 27 de Novembro de 1998. O líder parlamentar do PSD, Vítor Cruz [amigo pessoal de Pedro Passos Coelho, com quem partilhou a direcção da JSD], defendia que “o parlamento não é, na versão redutora de alguma doutrina do PS, nem 27 pessoas que nada representam, nem 24 pessoas encandeadas pela luminosidade de um presidente do governo. O cidadão vota e elege listas de deputados, e não de governantes [...) Há hoje nos Açores um confronto de legitimidades – a decorrente da investidura parlamentar do governo e a constante e indesmentível legitimidade originária do parlamento”. Vítor Cruz, que anos mais tarde também seria líder do PSD-Açores, defendia: “Num sistema parlamentar, qualquer conflito entre o executivo e o parlamento deve ser dirimido a favor da Assembleia. Há hoje um acordo de incidência parlamentar entre o PSD e o CDS/PP que justifica alterações na composição da Mesa da Assembleia, por forma que esta corresponda à maioria parlamentar que agora se formou.”
O PSD e o CDS ficaram na semana passada em choque com a derrota do seu candidato a presidente da Assembleia, Fernando Negrão, contra Ferro Rodrigues, que tinha o apoio da maioria de esquerda. Mas em 1998, nos Açores, PSD e CDS conseguiram derrubar o presidente da Assembleia Legislativa Regional através de uma moção de censura.
Em 1998, PSD e CDS não estavam dispostos a tolerar o que chamavam a “vitimização do PS”. Vítor Cruz: “Não colhe, portanto, a tentativa de transformar um acto institucional numa vitimização pessoal. O PS está especializado em fazer-se de vítima, espero que não use o presidente da Assembleia da República como propaganda política.” O líder parlamentar do PSD/Açores afirmava que “ninguém hoje tem dúvidas de que o governo demonstrou irremediavelmente ser incapaz de gerar um apoio maioritário no parlamento”. E, referindo-se ao CDS, continuava: “Os que o apoiaram na fase inicial da legislatura declaram-se hoje verdadeiramente arrependidos. Nada será mais como era antes.” E Cruz utilizava um argumento que foi agora usado contra o PSD a propósito da eleição de Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da República: “Se é verdade que o presidente da Assembleia sempre foi do partido mais votado, o partido mais votado sempre foi maioritário. Hoje não é assim, o partido mais votado não é maioritário e, para além disso, perdeu o consenso que lhe permitia assegurar a representação maioritária no parlamento.”
O líder do CDS-Açores, Alvarino Pinheiro, corroborava: “O Partido Socialista perdeu o apoio parlamentar que detinha, encontrando-se hoje numa situação perfeitamente minoritária na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. A este isolamento do grupo parlamentar do PS há que acrescentar o facto de os grupos parlamentares do PSD e do PP, na sequência de um acordo de incidência parlamentar entretanto firmado, constituírem efectivamente uma maioria expressiva da vontade deste parlamento e, por conseguinte, do povo dos Açores”.
Continuava o dirigente centrista: “O novo quadro político--partidário desta Assembleia impõe que a defesa intransigente da instituição parlamentar seja, a partir de agora, uma preocupação permanente do primeiro responsável desta Assembleia Legislativa, face ao confronto que o governo minoritário do PS vem desencadeando contra a Assembleia.”

O acordo PSD/CDS só teve como consequência política maior eleger um novo presidente da Assembleia Legislativa Regional. Perante a ameaça do Presidente da República, Jorge Sampaio, de não aceitar o derrube do governo de Carlos César pelo parlamento – tendo comunicado ao líder do PSD-Açores, Costa Neves, que dissolveria a Assembleia Regional –, a vontade de avançar com uma moção de censura ao governo por parte da maioria parlamentar esmoreceu. Costa Neves, por ele, teria ido até ao fim, confiante de que o sistema açoriano é puramente parlamentar – e não como o da República, semipresidencialista. O primeiro governo César durou quatro anos. Seguiu-se a primeira maioria absoluta (Jornal I)

Sem comentários:

Enviar um comentário