sábado, 24 de outubro de 2015

Sócrates: "Quando se prende 11 meses sem acusação, Estado perde autoridade moral"

Ex-primeiro-ministro participa este sábado numa conferência em Vila Velha de Ródão. "Não aceito o banimento que quiseram fazer-me da vida pública e da minha vida política", disse no arranque do evento. O ex-primeiro-ministro José Sócrates considerou este sábado serem "abusos" do Estado a detenção "pelo espectáculo", a divulgação de informações em segredo de justiça pela imprensa e a prisão preventiva "usada para investigar". Em Vila Velha de Ródão para a primeira presença num evento público desde que lhe foi levantada a obrigatoriedade de permanência na habitação no âmbito do processo Marquês, Sócrates referiu-se quase sempre, embora indirectamente, ao seu caso específico durante a conferência sobre "Justiça e Política". A palavra "abuso" foi utilizada várias vezes e sempre tendo por alvo "o Estado" e os seus "agentes", que alegadamente detêm um indivíduo para interrogatório "sem que haja fundadas razões para considerar que esse individuo visado não se apresentaria voluntariamente perante as autoridades policiais",  aludindo à sua detenção em Novembro no aeroporto de Lisboa apesar de alegadamente ter desejado ser ouvido pelas autoridades, "por mail e por telefone".
"Deter sem fundadas razões e converter a detenção num espectáculo público para daí retirar efeitos políticos - porque é disso que se trata - é um abuso", classificou, argumentando ainda que o Estado de direito democrático está vedado transformar a presunção de inocência na "presunção pública de culpabilidade", permitindo uma "campanha baseada em violações graves do segredo de justiça".
Sócrates referiu-se a um "poder oculto", resultado de "uma cumplicidade escondida entre alguns elementos da justiça e alguns elementos do jornalismo", resultando um poder "que não é fiscalizado nem controlado, que age criminosamente". "Este poder corrompe. É um poder corrupto, que corrompe quer as instituições do jornalismo, quer as da justiça", afirmou.
"O Estado não devia prender 11 meses sem apresentar uma acusação. Ao fim de um ano mantém um cidadão preso sem apresentar acusação diminui fortemente a autoridade moral do Estado", disse, denunciando a "hipocrisia" do Estado português, que pode prender preventivamente durante mais tempo do que em Angola. 
O exemplo de Luaty
A este propósito, estabeleceu um paralelismo entre o seu caso e o do luso-angolano Luaty Beirão e de mais 14 activistas angolanos, detidos há 4 meses, para invocar a revisão dos prazos de prisão preventiva, dizendo que o respeito pelos direitos humanos não é apenas matéria de política externa mas também interna. 
"As autoridades angolanas parece que também respondem 'à justiça o que é da justiça, à política o que é da política'", afirmou, depois de ter classificado de "desesperadamente pobre o argumento de à justiça o que é da justiça e à política o que é da política. Como se a política não tivesse a obrigação de debater as formas, os meios e os fins de realizar a justiça". 
Condenou ainda "escutas invasivas da privacidade dos cidadãos" e as "alegações que o Estado não pode provar". Numa intervenção recheada de referências a filósofos, Sócrates considerou que "a justiça é a primeira das prioridades da política", questionando até onde é que o Estado pode ir e de que forma pode intervir na liberdade individual para "preservar a liberdade de todos".
"Se alguém lhe passou pela cabeça que eu iria prescindir dos meus direitos políticos estão equivocados", disse o ex-líder socialista logo no arranque da conferência justiça e política.  "Todos os meus direitos políticos estão intactos e tenciono exercê-los", afirmou logo no arranque da sessão, lembrando os momentos "difíceis" por que disse ter passado nos últimos meses. José Sócrates foi detido em Novembro do ano passado, indiciado da prática de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Esteve preso em Évora e passou a prisão domiciliária em Setembro. A 16 de Outubro deixou de estar obrigado a presença no domicílio mas mantém-se proibido de contactar com outros arguidos do processo (Económico)

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