M. e J. são casados, estão ambos a trabalhar, mas o
que ganham não chega para as despesas e para dar conta de uma penhora, de um
crédito pessoal e de dois planos prestacionais de dívidas ao fisco e à
Segurança social. A derrapagem nas prestações do crédito pessoal foi o motivo
que os levou levou a recorrer ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da
Deco. Não foram os únicos. Entre janeiro e outubro deste ano, o GAS recebeu um
total de 26 035 pedidos de ajuda e a grande maioria (15 360) partiu de pessoas que até têm
emprego. O desemprego tem perdido terreno como principal razão
para as pessoas pedirem ajuda à Deco, enquanto os baixos salários têm registado
a tendência inversa. Ao longo de 2012, 2013 e 2014, cerca de um terço (30%) dos
contactos efetuados para o GAS partiram de desempregados; este ano, a falta de
trabalho foi a razão invocada por apenas 26% destas pessoas. Em contrapartida,
há cada vez mais pessoas empregadas a verem a situação financeira derrapar.
Eram 55% no ano passado e este ano subiram para 59%. E onde trabalham estes
sobre-endividados? Sobretudo no sector privado – que contribuiu com 40% para os
59%.
“Estamos a falar de pessoas que antes da crise tinham
um rendimento que lhes permitia ter uma vida relativamente confortável e que
puderam aceder a crédito, que ficaram desempregadas e que agora voltaram a
trabalhar, mas com salários muito baixos”, explica Natália Nunes. O número de pedidos de ajuda que entraram no GAS
registou uma forte subida entre 2008 e 2013, mas tem-se mantido estável desde
então. Os 26 035 contactos recebidos este ano estão em linha com o registado no
período homólogo do ano passado. Deste total, o GAS abriu 2015 processos (um
número ligeiramente inferior ao do ano passado). A diferença está no facto de
muitos recorrerem a este gabinete numa altura em que já não há margem para
avançar com um pedido de reestruturação de créditos.
Tradicionalmente, o GAS também não abre processos
quando o sobre-endividamento é causado por pura má gestão do orçamento
familiar. Só que, refere Natália Nunes, estes casos de má gestão, tão
frequentes há uns anos, “são agora residuais” porque o problema está sobretudo
na falta de rendimentos. Os trabalhadores a ganhar o salário mínimo (505 euros
brutos por mês) são já 674 mil, nada menos de 19,6% no total de empregados por
conta de outrem. Mais de um milhão recebe menos de 600 euros líquidos mensais.
E este número tem vindo vindo sempre a aumentar.
Os números ilustram as conclusões do GAS: dos 26 mil
pedidos que chegaram este ano, 32% veriam de pessoas que ganham o equivalente a
um salário mínimo nacional e 39% de famílias que ganham no máximo dois SMN.
Penhoras são a 3.ª causa
Tudo isto faz com que a deterioração das condições de trabalho e do desemprego sejam, cada um, a causa de
29% dos processos de sobreendividamento abertos, seguindo-se as penhoras, que
originaram 12% destas situações. Ou seja, em apenas dois anos, as penhoras
passaram do quinto lugar para o terceiro da tabela de causas mais comuns a
explicar as dificuldades financeiras das famílias. Seguem-se as alterações do
agregado familiar, motivadas por nascimentos e também pelo regresso de filhos
que ficaram sem meios para viver de forma autónoma, a casa de pais reformados. No total de 2015 – processos abertos pelo GAS até
terça-feira – a média de rendimentos mensais ronda os mil euros, mas a análise
da situação destas pessoas revela que os créditos que detêm lhes consomem o
equivalente a 72% do rendimento. Ao mesmo tempo, uma fatia de 86% do dinheiro
disponível vai para as despesas mensais normais (de alimentação, serviços
essenciais, escola ou saúde). Feitas as contas, estas famílias têm um “défice”
mensal de 600 euros, sendo que a taxa de esforço associada aos créditos supera
claramente os 35% aconselháveis. Por essa razão, Natália Nunes encara com alguma
apreensão os sinais de subida de concessão de crédito (sobretudo para compra de
carros) que começaram a observar-se nos últimos meses (Dinheiro Vivo)
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