O caso merece
reflexão: três jornais concorrentes chegaram às bancas indiferenciados no seu
espaço mais nobre - a manchete. Vítor Serpa e António Magalhães refletem sobre
as causas e revelam que já houve encontros entre ambos para evitar que estas
situações se repitam no futuro. Como é que três jornais diferentes e
concorrentes entre si chegam às bancas com a mesma manchete, palavra por
palavra? “Infelizmente não é assim tão invulgar”, observa o diretor do
“Record”. António Magalhães defende que a manchete repetida pode ser
justificada pelo facto de “a chegada de Jiménez a Lisboa se ter confirmado já
muito tarde, pouco tempo antes da hora do fecho da edição, e pela pressão de
publicar a notícia”.
Já Vítor Serpa,
diretor de “A Bola”, encara a situação com “um misto de fairplay” e “de
deceção”. E logo completa a ideia: “Significa que os jornais não foram capazes
de criar uma ideia original”. O jornalista considera que esta é uma realidade
mais comum “desde que os jornais se aproximaram de ‘A Bola’ a nível gráfico,
algo que é inevitável pelo facto de, por exemplo, muitos jornalistas do
‘Record’ terem feito 'escola' aqui”. E acrescenta que o estudo gráfico do seu
jornal “tem mais de 10 anos”, sendo assim normal que os outros tendam a
imitá-lo. O diretor de “A Bola” concorda com o seu homólogo do “Record” sobre a
escolha feita pelos três desportivos com edição diária em Portugal: a notícia
da chegada a Lisboa do novo avançado mexicano do Benfica era “incontornável”. E
realça que o facto de todos terem usado as mesmas palavras decorre também do
estilo de grafismo utilizado: “É muito semelhante nos três jornais e obriga a
um determinado tipo de título, de escrita”, aumentando assim a probabilidade de
repetições. Serpa refere que este caso não é único. Recorda que recentemente
houve um caso idêntico na imprensa espanhola, com “quatro jornais desportivos
com a mesma manchete”, e lembra-se de que em Portugal também aconteceu o mesmo
“com dois generalistas”.
AVISAR O OUTRO
Haverá então forma de
os jornais evitarem estas coincidências? António Magalhães pensa que sim, que
algo poderia ser feito - em casos específicos, avisar os outros jornais sobre o
título escolhido. “Já várias vezes falámos do assunto entre nós, de forma a
evitar esta situação, mas nunca chegámos a um entendimento”. E diz que o jornal
que dirige tudo faz para que estas repetições não aconteçam: “Fazemos sempre um
esforço acrescido, tentando prever qual será o título que a concorrência usará,
para fazermos diferente”. Já Vítor Serpa é mais pragmático, afirmando que as
repetições são “inevitáveis”, o que se explica também pelo facto de os jornais
terem abandonado o estilo broadsheet [formato de maior dimensão], o que
“diminui o jogo de criatividade”. Tal como Magalhães, Serpa confirma os
encontros com “Record” para que pudessem comunicar e evitar situações como a de
terça-feira... “Mas não é fácil”, concede. “A ideia partiu do António, falámos
entre nós, ficou no ar mas não avançou... está em aberto”, diz. E avança que
para evitar repetições e “fugir do que é feito nos outros jornais”, “A Bola”
deverá “fazer uma evolução gráfica”.
“O LEITOR ESQUECE
RAPIDAMENTE”
Aqui chegados, poderá
falar-se em padronização e estandardização jornalística? O diretor do “Record”
não vai por aí e diz que não se pode colocar o assunto nesses termos: “Acho que
não. Acho até que somos bastantes criativos, mas a verdade é que os temas
muitas vezes não fogem ao dia a dia dos três grandes e, portanto, as
coincidências podem acontecer.” Para este jornalista, as repetições estão mais
relacionadas “com a força das manchetes e com a matriz das mesmas: mensagens
mais claras e curtas, com menos letras”, o que necessariamente faz com que seja
“preciso ser mais criativo”. O que nem sempre é fácil, sobretudo pela pressão
do fecho: “Mas, claro, o tempo por vezes é curto e acontecem estas
coincidências.” Uma provocação do Expresso: e será que falar um pouco menos de
futebol e privilegiar o que acontece noutros desportos não ajudaria a evitar estas
repetições? “Fechávamos num mês”, responde de imediato Vítor Serpa. António
Magalhães também alinha nesta ideia: “Não podem ser ignorados os interesses
comerciais e o impacto que o futebol tem nas pessoas. Por muito que queiramos,
uma noticia sobre uma vitória do FC Porto, Benfica ou Sporting vende muito mais
do que o triunfo de um ciclista português no estrangeiro”, por exemplo.
Colocando-se na posição de leitor, o diretor do “Record” considera que a reação
sentida pela repetição de manchetes “não é negativa”, porque cada vez mais os
leitores “fidelizam-se a um determinado jornal”. Mas concede que os
consumidores “reparem nas repetições e as encarem como uma coincidência, eles
próprios conscientes de que se trata de uma notícia do mercado de transferências
e da chegada de um novo jogador” a um dos grandes. Também Vítor Serpa
desdramatiza e conclui: “O leitor esquece rapidamente. A tragédia e a glória
nos jornais diários são muito efémeras”. O Expresso tentou falar com o diretor
de “O Jogo”, mas sem sucesso (Expresso)
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