sábado, 28 de novembro de 2015

Opinião: Os custos do terrorismo nas economias mundiais

Vítimas, dor, sensação de insegurança, discursos políticos inflamados, reuniões de emergência, reforço das medidas e dos dispositivos de controlo: estes são alguns dos efeitos que actos de terrorismo como os que custaram 129 vidas em Paris costumam ter. Associado a tudo isto está o impacto na economia das acções dos terroristas e esse, segundo dados do relatório Índice Global do Terrorismo do Institute for Economics and Peace – congrega informação sobre o assunto desde 1997 – situou-se, em 2014, nos 52,9 mil milhões de dólares (quase o PIB da Bulgária). Desde 2001, ano dos ataques às Torres Gémeas, quando a factura económica ascendeu a 51,1 mil milhões de dólares, que não se chegava a valor tão elevado.
“O número dá uma ideia da assimetria envolvida”, comenta Miguel Monjardino, especialista em assuntos internacionais do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. “Mais devastador é observar os efeitos exercidos na economia da Síria ou de grande parte do Iraque por causa da fuga de pessoas. Levando em conta que muitos dos refugiados chegados à Europa tinham dinheiro para isso, deixou de haver advogados, médicos, professores e outros que possam fazer funcionar uma sociedade. Mais: duvido que voltem, pois movimentos deste género, envolvendo famílias com filhos, significam que as pessoas não acreditam que o país tenha futuro. Ora, quando isto se contabiliza, chega-se a valores astronómicos”, opina. A estes valores “soma-se o dinheiro que o Daesh confisca e cobra em impostos e taxas nas regiões que conquistou na Síria e no Iraque”.
O Insider Pro (IP) alerta, contudo, para o facto de o cálculo ser feito a partir de propriedades atingidas em função de bombistas suicidas, bem como em relação a mortes, ferimentos, custos com cuidados de saúde e ganhos desperdiçados, embora não estejam colocados na equação investimentos necessários para questões como mais agentes em campo, seguros mais caros ou mudanças na organização das cidades que se sentem em perigo. 
Monjardino aponta, por outro lado, o que custaram aos terroristas os ataques em Paris. “Dez a 15 mil dólares. Pela primeira vez, os alvos dos ataques foram diferentes e exigiram competências diferentes: bombistas-suicidas; tácticas de assalto urbano; e, no Bataclan, gente que se entrincheirou para morrer. Para isto precisaram apenas de algumas AK47, certo tipo de explosivos e de gente disposta a morrer. O 13 de Novembro foi muito diferente do 11 de Setembro. Os ataques contra Nova Iorque e Washington foram complexos e sofisticados – espécie de momento “Sputnik” na história do uso do terrorismo. Paris é muito diferente. Os ataques foram simples na concepção e execução. Além disso, usaram o modelo do Daesh no Iraque – utilizar a Síria para reconquistar Bagdade. Agora usaram a Bélgica como base logística para actuar em França. Abolimos as fronteiras na União Europeia para fortalecer a integração política e criar prosperidade económica. O Daesh usou a abolição das fronteiras para fomentar a desintegração e semear o medo.” Porém, o especialista da Universidade Católica indica factores que correram mal aos terroristas: “A decisão de não evacuar o Stade de France, conjugada com o impedimento da entrada do bombista, evitou muitas mortes; outra questão foi a rapidez da polícia no assalto ao Bataclan, pois o atentado fora concebido para durar muito mais horas e causar mais vítimas – as autoridades resolveram o caso em menos de uma hora. Embora se lamente cada morte, a repetição de um caso como o do cerco de Bombaim teria atingido outras proporções”, defende.
“Maior fábrica de terroristas que o mundo conheceu”, conforme disse François Hollande, o Daesh foi responsável, em 2014, por mais de 20 mil mortes, ainda de acordo com os dados do referido estudo. Mas, segundo acrescenta o IP, entre 2006 e o ano passado perto de 70% das mortes por acções terroristas nos países ocidentais não envolveram extremistas organizados em grupos.
A educação e o passado 
Pouco depois de terem acontecido os actos terroristas, Miguel Monjardino considerou que ter pessoas com passaporte francês criara ainda maiores problemas de prevenção e controlo às forças de segurança. Explicando como pode alguém educado num país da União Europeia agir de modo tão desumano, Monjardino lembra: “Foi na Europa que surgiram as primeiras utopias políticas do século XX, as quais exerceram papel muito mobilizador. Nos anos 60 e 70 também houve grupos como as Brigadas Vermelhas ou o Baader Meinhof, e tácticas para tentar criar uma revolução. Agora estão em causa duas coisas: a primeira é a reconquista do poder pelos sunitas no Iraque. Uma das origens do Daesh é claramente secular. O Corão é um pormenor para os fundadores do Daesh. A segunda é a instrumentalização do Islão para criar a primeira utopia pan-árabe dos últimos 100 anos, uma vez que, por norma, a índole era nacionalista. O califado alimenta esta utopia que pretende a abolição da ordem internacional do mundo árabe e quer criar uma guerra com os xiitas a nível regional. O oxigénio político do Daesh é o caos. O que tornou Paris possível foram redes logísticas de apoio bastante antigas.” 
Sobre as forças de segurança, Miguel Monjardino diz: “Momentos como estes são muito injustos para as secretas e as autoridades em geral, pois não é possível saber por antecipação quantas vezes foram bem-sucedidos até suceder algo assim. É impossível impedir a 100% qualquer ataque terrorista. O número de mortos, o pânico, o medo e a visibilidade gerada dizem que esta ideologia vai ter fôlego por bastante tempo. Tudo isto faz parte de um processo político e ideológico longo no mundo sunita árabe. A Al Qaeda tem 27 anos. Claro que há divergências estratégicas importantes. Bin Laden nunca pensou ver o califado, mas estava disposto a lutar pela ideia. Os fundadores do Daesh são sunitas iraquianos que viram no caos da guerra civil da Síria uma oportunidade para recuperar o que tinham perdido com o derrube do regime de Saddam Hussein. A primeira coisa que o Daesh fez foi infiltrar e conquistar parte da Síria. Foi isto que lhes permitiu anunciar a fundação do califado. Um dos paradoxos do nosso tempo é que nunca houve tanta informação disponível. O problema é que o dilúvio da informação diária está a abolir a nossa memória histórica. Isto favorece os que usam o terror contra nós. Tornámos-nos sociedades instantâneas que exigem respostas instantâneas. A natureza secreta, manipuladora e violenta do Daesh não é muito diferente da de outros movimentos revolucionários.” 
Monjardino fala ainda dos desafios ao Ocidente. “Apesar do califado, o Daesh é descentralizado. Não se sabe bem quem toma as decisões mais importantes. É muito duvidoso que seja Abu Bakr al-Baghdadi, escolhido pelos fundadores da organização para desempenhar o papel do novo califa. Quando uma estrutura com estas características enfrenta outra bastante centralizada como os estados europeus ou uma organização como a União Europeia que delibera de forma lenta e consensual, a primeira ganha sempre. E, para derrotar aquela estrutura descentralizada, é necessária outra com grande capacidade de adaptação. A “Porta Aberta” no Twitter em Paris é um bom exemplo. Foi espontânea, de baixo para cima e retirou margem de manobra aos terroristas. Mas foi uma reacção, não uma adaptação. Nas operações anti-terroristas na Bélgica aconteceu o oposto. As autoridades pediram às pessoas e aos orgãos de comunicação social para não partilharem informações sobre o que acontecia. Isto é adaptação às novas realidades e funcionou bem. Outra possibilidade é negar ao Daesh o uso indiscriminado das redes sociais, pois estas são veículos de propaganda muito bem-sucedida para o recrutamento.”
Será mais complicado o controlo económico-financeiro de quem consegue, segundo dados revelados pelo “Financial Times”, cerca de 500 milhões de dólares anuais através do petróleo, além de outras receitas vindas do tráfico de seres humanos e da venda de cereais. “Demora mais tempo, embora as limitações geográficas e territoriais de quem não tem acesso ao mar, como é o caso do Daesh, coloquem dificuldade adicional que é o problema tradicional das utopias – a transição das operações para a conquista do poder por meios violentos onde a espionagem, a desinformação e o assassínio dos líderes das sociedades civis e tribais são essenciais para o governo e a administração das áreas conquistadas.” 
Passando a discussão actual pela hipótese de suspensão do acordo de Schengen e pela colocação de entraves à liberdade de circulação de pessoas, caso esta se concretize isso seria vitória do terrorismo? Miguel Monjardino indica: “Quem age assim procura mais o colapso da civilização através da instrumentalização da população árabe do que um choque entre civilizações. Este colapso passa pela guerrilha urbana em cidades europeias e por uma guerra apocalíptica entre sunitas e xiitas no Médio Oriente e Golfo Pérsico. Diminuir o espaço de circulação de Schengen podia ser o ideal na segurança mas duvido que aconteça. Mas o ‘espaço Schengen’ vai ter de adaptar-se ao desafio que esta ideologia revolucionária sunita representa para os países europeus. Não podemos continuar a dar aos que usam o terror uma vantagem tão grande no plano táctico e operacional.” (texto de Paulo Jorge Pereira, Económico)

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