quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Noruega: o país mais desenvolvido do mundo não sabe o que fazer ao dinheiro

Oslo está praticamente deserta e encontrar um local aberto para jantar às 21h00 é um desafio. O ritmo de vida da capital da Noruega rege-se pelo rigor nórdico: acorda-se cedo, janta-se cedo, dorme-se cedo. É domingo e são raros os carros que passam numa das principais avenidas da cidade, junto ao enorme edifício do Parlamento, do lado oposto à Ópera, um dos símbolos turísticos da cidade. A estranheza maior vem, contudo, com a claridade que ainda se sente às 21h00 na fase do ano em questão. É praticamente dia, embora já não se veja o sol. Já sabíamos que os dias são enormes no Verão, no Inverno as noites são longas, as cidades são limpas, tudo é caro e as pessoas são civilizadíssimas. Mas não estávamos preparados para uma claridade de final de dia em Portugal.
"O Inverno custa, é verdade, mas habituamo-nos a tudo. E as regalias que temos a trabalhar cá são tantas que acaba por compensar", conta Joana Fonseca, uma dos cerca de 3.700 portugueses que trabalham na Noruega. Joana trabalha num hotel, perto de Oslo. Veio há dois anos, atrás do namorado norueguês que conheceu quando estagiou em Itália. Apesar de referir as regalias, Joana não tem dúvidas: "Vivo bem porque dividimos a casa os dois e o salário dele é bastante mais elevado. Se dependesse apenas do meu ordenado não vivia melhor do que em Portugal. E, nesse caso, voltava para casa."
É difícil imaginar uma realidade em que o salário mínimo, de cerca de 4.000 euros, chega apenas para as despesas. Mas Oslo é uma das cidades mais caras do mundo, onde o Big Mac - seguindo a regra do índice que mede o custo de vida nas diferentes cidades em 2015 - custa 48 coroas, cerca de seis euros, o mais caro a seguir à Suiça, a comparar com os menos de três euros em Lisboa. A maior parte do salário vai para o Estado e a promessa dos partidos políticos, em ano de eleições, é não baixar impostos. E tudo é gratuito - da educação à saúde passando pela ajuda que o Estado dá, de cerca de 200 euros por mês, a quem não quiser ter os filhos nas creches públicas. Os dois filhos de Sandra Costa nasceram na Noruega e a empresária ligada à restauração não imagina educá-los na realidade portuguesa. "As ajudas do Estado são enormes. Pagamos muitos impostos, mas o Estado retribui. Nem sequer temos de nos preocupar com o infantário", explica. Mas Sandra quer voltar, um dia, a Portugal. "Faz-nos falta aquela simpatia, o deixa andar." Essa característica tão portuguesa parece ser valorizada. O marido de Sandra, António, conta a história: "Trabalho numa empresa de engenharia e somos quatro portugueses. O meu chefe diz sempre que gostava de ter mais portugueses na equipa porque, se há algum imprevisto, nós conseguimos encontrar maneira de o resolver. É o ‘desenrascanço' português. Os noruegueses parece que bloqueiam... mas são óptimos a planear."
Dinheiro a mais
A Noruega debate-se com um problema que muitos países, incluindo Portugal, adorariam ter: há dinheiro a mais. E, se Portugal continua a lutar com a dívida pública e tenta manter-se dentro dos limites da Comissão Europeia para o défice, a Noruega tem o problema contrário: o país deverá fechar 2015, novamente, com ‘superavit'. O PIB cresceu 3,2% em 2014 e no primeiro trimestre deste ano 0,5%; a nível nominal é o segundo maior, a seguir ao Luxemburgo, e o terceiro maior PIB ‘per capita'. O excesso de capital é encarado não só como um problema económico (porque pode minar a economia do país, pequena em comparação com os valores disponíveis para investir), mas também político. Além do aumento do custo de vida, o governo tem dificuldades em explicar aos noruegueses porque é que não podem tomar-se determinadas medida, mesmo havendo dinheiro
Excesso de capital traz vantagens: segundo o Índice de Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU, a Noruega é o país mais desenvolvido do mundo, prevendo-se que se mantenha na primeira posição em 2015. A abundância de capital vem, sobretudo, do petróleo. Com a descoberta nos anos 70 ao largo do país, a Noruega tornou-se o terceiro exportador mundial de petróleo, extraindo cerca de três milhões de barris de petróleo e gás por dia [ver caixa]. A diferença face aos outros produtores de petróleo está no estabelecimento de "rendas", uma fatia que é entregue ao Estado, sendo usada para financiar outros sectores da economia, como a agricultura ou a indústria, e que hoje se aproxima dos 40 mil milhões de euros. E para dotar o fundo soberano do país, gerido pelo Estado. Mas a Noruega tem vindo a apostar noutras fontes de receita, como é o caso da economia do mar, que já representa 20% do PIB - em Portugal é apenas 2%.
"Temos grande conhecimento na área de aquacultura e na economia do mar. Sem contar com o petróleo e gás natural, 20% do nosso PIB vem do mar", diz ao Económico o embaixador da Noruega em Portugal, Ove Thorsheim. Mar, petróleo e gás natural representam cerca de 40% do PIB.
Aproximação a Portugal?
O capital do Norges Bank daria para pagar 10 vezes o que Portugal pediu à ‘troika' no programa de ajuda externa. Tem até uma página na Internet onde pode acompanhar-se o valor total a cada minuto - à hora de fecho desta edição está em 6 839 519 357 675 coroas, o equivalente a mais de 800 mil milhões de euros e os noruegueses fazem muitas vezes apostas entre amigos sobre o valor a que o fundo fechará - uma espécie de euromilhões sem prémio. O fundo soberano tem cerca de mil milhões de euros investidos em obrigações da Caixa Geral de Depósitos, além de todos os investimentos feitos em várias cotadas do PSI-20. As últimas estimativas dão conta de que o Norges Bank deverá ter cerca de 1% do total das bolsas mundiais e investe em mais de três mil empresas por todo o mundo. Em Portugal está na PT SGPS, CTT e também na EDP, por exemplo. Nada mau para um país que, há 100 anos, era dos mais pobres da Europa, periférico e gelado. Depois da Segunda Guerra Mundial o Estado entrou em várias empresas, como a petrolífera Station, a operadora de telecomunicações Telenor ou a eléctrica Stratkraft. E nos anos 70 o petróleo deu uma nova realidade ao país. São a posição periférica e a grande superfície de zona costeira que têm servido para Portugal procurar alavancar as suas relações com a Noruega. Depois de uma visita de representantes do país a Portugal, em 2008, no início de Maio foi a vez de o Presidente da República realizar uma visita oficial de três dias à Noruega, onde foram assinados acordos entre os dois países, sobretudo na área da investigação e inovação, e se estabeleceram contactos ao nível do sector energético e também da economia do mar, sobretudo da aquacultura. Cavaco Silva referiu mais do que uma vez a expectativa de estreitar relações devido a esta proximidade ao mar, frisando que os dois países têm mais em comum do que o que parece à primeira vista.
"Somos um parceiro adequado para eles e eles são um parceiro adequado para nós." Mas os empresários mostram menos confiança. Sim, os contactos foram feitos, mas poucos negócios foram concretizados, sobretudo junto das empresas privadas. O interesse da Noruega em Portugal, além da área da energia, com o conhecimento nacional em tecnologia eólica ‘offshore', está na construção. A Noruega tem um plano de investimento em infra-estruturas de cerca de 70 mil milhões de euros até 2023 - praticamente o que Portugal pediu emprestado à ‘troika' -, o que pode significar oportunidades de negócio para as empresas portuguesas e também para os arquitectos e engenheiros portugueses que emigraram para o país - representam o maior sector de actividade portuguesa na Noruega. Mas os contactos são, ainda, demasiado incipientes. As infra-estruturas têm sido, aliás, um dos principais problemas da Noruega e que o país quer resolver. Tendo pouco mais de cinco milhões de habitantes e grandes áreas sem populações, a rede de transportes é deficiente e a circulação faz-se, sobretudo, de comboio. Mas a preocupação é visível ao ponto de, em 2013, o Governo ter construído uma ponte para ligar ao resto do país uma cidade com menos de 100 habitantes. O projecto custou cerca de 20 milhões de euros (texto da jornalista do Económico, Cátia Simões, com a devida vénia)

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