“A
resposta, em estilo americano, bem poderia ser “É a economia, estúpido!”.
Porque é sobretudo a crise económica que ameaça hoje a liberdade de imprensa em
Portugal. Dela deriva a maior parte dos constrangimentos que uma centena de
jornalistas diz sentir no exercício da sua profissão. Os
jornalistas, oriundos da imprensa, rádio e televisão, foram questionados por
Felisbela Lopes, investigadora da Universidade do Minho, com uma única pergunta
– “Quais os maiores constrangimentos à liberdade de imprensa que os jornalistas
portugueses enfrentam hoje?” E as respostas desenham um cenário preocupante no
livro Jornalista: Profissão Ameaçada que é lançado esta quarta-feira em Lisboa.
“A
grande maioria sublinhou as consequências dos constrangimentos económicos nas
opções editoriais. Há mesmo quem os aponte como o novo lápis azul”, resume ao
PÚBLICO a autora. Estão materializados na diminuição de meios, na redução das
equipas, na limitação dos trabalhos, no medo do desemprego. “Hoje é difícil ir
até ao fim da rua ou até ao fim do mundo [como dizia o histórico slogan da TSF]
à procura de uma boa história. Não há dinheiro.” O
medo que os jornalistas sentem concretiza-se na auto-censura – aquela em que,
por opção ou por ordem superior, se “perde” o interesse numa história que pode
ferir susceptibilidades no poder (económico ou político) ou que pode trazer
consequências na Justiça para a empresa de media. Ou no funcionamento quase em
“rede”: é preciso trabalhar mais rápido e com menos custos, levando todos os
media a abordarem um assunto sob o mesmo ângulo e a contactar as mesmas fontes
– que são cada vez menos -, fazendo com que os jornalistas se refugiem no que a
autora chama de “versões das elites do poder”. Até
porque às questões financeiras há que somar a pressão das fontes organizadas:
“Já não são os políticos que pressionam directamente os jornalistas. As fontes
sofisticaram-se”, diz Felisbela Lopes. “Hoje os assessores e as agências de
comunicação exercem essa influência no lugar dos vários poderes dominantes,
desenvolvendo uma pressão de agendamento e de cobertura mediática com técnicas
apuradíssimas, sendo por vezes muito difícil perceber onde pára uma profícua
mediação e começa uma intolerável manipulação.” Felisbela Lopes não tem dúvidas:
“Aí está o jornalismo como caixa de ressonância do poder dominante.”
A
autora aborda ainda três áreas com desafios específicos: na justiça, “é
impossível os jornalistas não violarem o segredo de justiça porque, tal como
está na lei, a classe não consegue trabalhar”; na política, por exemplo, “não
faz sentido a legislação sobre a cobertura das campanhas eleitorais nem o dia
de reflexão”; no futebol, “os assessores e os clubes condicionam em permanência
o trabalho jornalístico” na forma como se relacionam com a classe e como
trancam a informação.
A
investigadora percebeu que “a classe sente necessidade de falar disto, porque
isto, os constrangimentos, é uma espécie de manada de elefantes numa loja de
porcelanas”. Mas também é certo que há muitas dúvidas e receios decorrentes da
passada tecnológica, que obriga o jornalista a actualizar-se constantemente e a
ser acossado pelo jornalista-cidadão.
“Os
jornalistas vivem hoje sob permanente pressão. Pressão para ser rentável.
Pressão para fazer a cobertura de determinado acontecimento. Pressão para ouvir
este ou aquele interlocutor. Pressão para não afrontar os accionistas ou
financiadores da sua empresa. Pressão para cumprir leis que não deixam margem
para noticiar factos com relevância noticiosa. Pressão para trabalhar depressa.
Pressão para ser o primeiro a anunciar a última coisa que acontece. Pressão
para multiplicar conteúdos em diversas plataformas. Pressão para atender àquilo
que os cidadãos dizem nas redes sociais. Pressão para desenvolver conteúdos de
qualidade que suscitem o interesse do público. Pressão para não provocar
reacções dos reguladores dos media. Não é fácil trabalhar assim. Por isso,
actualmente, ser jornalista é aceitar exercer uma profissão que está sob
ameaças de vária ordem. E isso deveria suscitar um amplo debate público”, resume
Felisbela Lopes no livro” (texto da jornalista do Público, Maria Lopes, com a
devida vénia)
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