“Quando
andava na escola, Jason Rezaian era chamado de “jóquei de camelo” ou “adorador
de Khamenei”. Na sua Califórnia natal, o apelido dava azo à identificação
imediata com o Irão que, nos anos 1980, vivia a primeira década
pós-revolucionária, apesar de Jason nunca ter visitado o país. Os preconceitos
ocidentais em relação ao Irão sempre fizeram parte da sua vida e, a certa
altura, decidiu desmontá-los e fazer disso o seu trabalho. Foi para Teerão para
ser jornalista e apresentar outro lado de uma das sociedades mais isoladas no
mundo. Mas desde Julho que está preso, acusado de espionagem. O
julgamento do jornalista do Washington Post, Jason Rezaian, no Irão começou
esta terça-feira e a primeira sessão decorreu à porta fechada. O caso tem
contornos pouco claros, as acusações são consideradas vagas e o secretismo do
julgamento contribui para os receios da família do jornalista irano-americano
de que haja uma motivação política.
Foi
em Julho do ano passado que Rezaian foi detido pelas autoridades iranianas na
sua em casa em Teerão. A mulher e colega Yeganeg Salehi também foi presa, assim
como outros dois cidadãos com dupla nacionalidade que não foram identificados.
Entretanto, apenas Rezaian se manteve preso em condições que preocupam os seus
familiares – nos últimos meses perdeu cerca de 18 quilos, segundo o irmão Ali.
A história da detenção de Rezaian tem sido marcada pela falta de clareza.
Foram
precisos vários meses até serem conhecidas as razões oficiais para a detenção
do jornalista e sobre que base legal é que assentava o caso contra si. Em
Dezembro, Rezaian foi formalmente acusado, mas apenas em Abril é que as
acusações foram conhecidas. A justiça iraniana acusava o jornalista do Post de
espionagem, “colaboração com regimes hostis” e “propaganda contra o regime”.
Uma das acções atribuídas a Rezaian e à sua mulher, de acordo com a imprensa
próxima do regime, é o papel na distribuição de um vídeo da música Happy, que
mostra jovens iranianos a dançar num telhado – e que acabaram por ser detidos.
Se for considerado culpado, o jornalista de 39 anos pode ter uma pena entre dez
e 20 anos de prisão. Foram
precisos nove meses até que a advogada de defesa do jornalista tivesse
conhecimento das acusações e fosse autorizada a discutir o caso com o seu
cliente. Os pormenores são, porém, vagos e bastante gerais – Rezaian é acusado
de juntar informação, especialmente sobre “política interna e externa”, e de a
ter fornecido a “indivíduos com intenções hostis”, entre os quais o Presidente
norte-americano, Barack Obama, a quem terá escrito uma carta, segundo a
acusação, contou na altura a advogada Leila Ahsan.
“O
Jason é um jornalista, e é da natureza da sua profissão ter acesso a informação
e publicá-la”, disse a advogada. “O meu cliente, contudo, nunca teve acesso
directo ou indirecto a informação secreta para a partilhar com quer que seja”,
acrescentou.
O
director executivo do Washington Post, Martin Baron, considerou que as
acusações apresentadas contra o jornalista “não podiam ser mais ridículas”. “O
Jason é um jornalista sério, cuja honestidade e profissionalismo granjearam-lhe
elogios públicos mesmo do Presidente iraniano e do ministro dos Negócios
Estrangeiros. Quaisquer que sejam os motivos, a justiça iraniana está a
apresentar acusações que são transparentemente infundadas.” O
próprio presidente Obama, num apelo durante as comemorações do Ano Novo
iraniano no final de Março, tentou demover as autoridades iranianas de
prosseguirem com um caso baseado em “acusações vagas”.
Luta
contra o preconceito
Jason
Rezaian nasceu na Califórnia, EUA, numa família iraniana e obteve a dupla
nacionalidade – um estatuto que não é reconhecido no Irão, que apenas
identifica a cidadania iraniana. Desde 2008 que trabalha no Irão como
jornalista freelance e em 2012 foi contratado pelo Washington Post para liderar
a delegação do jornal norte-americano no país. “Os cidadãos com dupla nacionalidade
– irano-americanos como o Jason – são extremamente vulneráveis no Irão”, notava
a jornalista e amiga de Razaian, Laura Secor, num texto na New Yorker. “Estão
sujeitos à lei iraniana, que é rígida o suficiente com os jornalistas locais e,
pior ainda, os seus laços com os Estados Unidos torna-os alvos de suspeita num
Estado preocupado com o espectro da conspiração estrangeira. E ir trabalhar
para o Post ainda fez recair mais as atenções sobre ele." Mas
quem conhece o jornalista traça o retrato de alguém longe de constituir o
perfil de um espião ao serviço de Washington. Zahir Janmohamed, que conheceu
Razaian quando trabalhava na Amnistia Internacional, recordava recentemente um
episódio que demonstra o tipo de trabalho que o jornalista queria desenvolver
no Irão. Dada a experiência que tinha adquirido enquanto colaborava com a
organização de defesa dos direitos humanos, Janmohamed sugeriu a Razaian
possíveis histórias relacionadas com o tema no Irão. “Ele tinha outras ideias.
‘Conheço essas histórias e elas são importantes, mas quero mostrar também o
quotidiano da vida iraniana’, disse ele. (…) Percebi o objectivo dele: Jason
viu a sua nova posição como uma hipótese de acrescentar textura e complexidade
à forma como os americanos interpretam o Irão”, contou o activista, também ele
de origem iraniana.
“Se
a República Islâmica não consegue tolerar Jason Rezaian, pode-se questionar se
poderá tolerar de todo os media estrangeiros”, observa, por seu turno, Laura
Secor. Uma petição para a libertação do jornalista juntou mais de 400 mil
assinaturas, entre as quais a de Noam Chomsky e da veterana da CNN Christiane
Amanpour. A
subida ao poder de Hasan Rohani em 2013, visto como um moderado e cujos
esforços diplomáticos nas relações com o Ocidente têm sido elogiados, permitiu
que muitos antecipassem a concessão de mais liberdades individuais e de
imprensa. Porém, na verdade, o número de jornalistas presos duplicou desde
então e o Irão encontra-se no 173.º lugar (em 180 países) no ranking de
liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras. O
caso de Rezaian é associado ao jogo da política interna do Irão, sempre refém
da permanente tensão entre moderados e conservadores. A verdadeira causa para
as acusações contra o jornalista poderá estar relacionada com a amizade com um
sobrinho de Rohani que trabalha no gabinete presidencial – uma relação que é
negada pela família de Rezaian. Ao montar um caso contra o jornalista, aquilo
que o poder judicial está realmente a visar é o sobrinho de Rohani, Esmail
Samavi, que acusam de ter facilitado o acesso de Rezaian a informações
confidenciais. O
Líder Supremo situa-se no topo da hierarquia do poder no Irão, mas enquanto o
Presidente pode servir de contrapeso na relação entre o ramo executivo e o
Ayatollah, no que respeita aos tribunais, o poder do chefe religioso é amplo.
As nomeações dos juízes são feitas directamente pelo Ayatollah e o poder
judicial pode até ser utilizado como um freio sobre governos que fujam à
ortodoxia da linha conservadora.
A
primeira audiência do julgamento num Tribunal Revolucionário à porta fechada
apenas veio confirmar o secretismo em torno do caso contra Rezaian. “Julgo que
a única razão que se possa imaginar para que o julgamento seja fechado seja
para impedir as pessoas de verem a falta de provas”, disse à Reuters o irmão do
jornalista. Apesar
de tudo isso, diz Ali Rezaian, mantém-se a esperança de que o jornalista seja
declarado inocente “se o tribunal iraniano conduzir um julgamento imparcial”
(texto do jornalista do Público, João Ruela Ribeiro, com a devida vénia)
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