quarta-feira, 27 de maio de 2015

Comentadores: cemitério de políticos ou rampa de lançamento?

“Directores falam da importância dos políticos para o debate, alegando que a televisão é a ágora dos tempos modernos. O comentário político feito por políticos (no activo ou não) tem sido uma aposta forte e um traço distintivo das televisões portuguesas. A tendência acentuou-se com a abertura dos canais por cabo, que veio intensificar a presença de políticos na caixinha mágica. A questão que impera é se são ou não estes espaços momentos de afirmação e de prolongamento da acção política. Os politólogos Adelino Maltez e André Freire e a investigadora na área dos media Felisbela Lopes são unânimes: nenhum político deixa de o ser em momento algum, muito menos na televisão, e encaram a situação como um prolongamento da acção política. Felisbela Lopes, pró-reitora da Universidade do Minho, vê o fenómeno como um “autêntico passaporte para a vida política e vice-versa” e constata que as televisões “reproduzem o poder dominante através de um grupo muito restrito de indivíduos”, aquilo a que chama “confraria” composta por elites próximas do poder. Na sua opinião, os espaços de comentário, sobretudo os fixos, como o de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, o de Marques Mendes na SIC e o de Nuno Morais Sarmento na RTP1, têm o poder de influenciar a agenda e o alinhamento noticioso dos media e simultaneamente os comentadores, que são na realidade políticos, conseguem manter-se vivos na política e nos respectivos partidos, marcando uma posição. Além disso, nos combates políticos (eleições) leva vantagem quem entra semanalmente na casa das pessoas. Ainda que audiências não correspondam necessariamente a votos, “quem não é conhecido parte do zero”, sublinha. Para o director de informação da SIC Notícias, António José Teixeira, a política é uma actividade nobre, muito importante em democracia, e é por isso natural que os políticos tenham uma visibilidade significativa no espaço público. “O interesse das televisões recai em pessoas credíveis, com ideias próprias, com capacidade de comunicação e os políticos não estão fora deste âmbito. Seria estranho que estivessem.”
O politólogo André Freire também fala da presença hegemónica das mesmas ideias e da fraca abertura das televisões a outras correntes: “Não existe pluralismo nenhum, sobretudo nos canais generalistas. Tem havido uma sobre-representação de comentadores políticos ligados ao PSD e ao PS. Mesmo que estes critiquem os próprios partidos não deixam de os representar”, observa. Segundo o julgamento do politólogo, esta é a raiz da dificuldade de afirmação de novos partidos no sistema político português, uma vez que “quem tem visibilidade pode ser ou não bem-sucedido politicamente, mas quem não tem visibilidade nunca será bem-sucedido na política”.
Alcides Vieira, da SIC, assegura que os critérios na escolha dos comentadores não se prendem com “quotas de representatividade partidária”. Além disso, garante, estes “não são convidados por representarem o partido A ou o partido B, a classe C ou a classe D”.
“Representam-se a si próprios, têm opinião própria, dão a cara pelas suas opiniões e convicções pessoais, sejam a favor sejam contra o grupo em que política e ideologicamente se possam situar”, esclarece. O importante, sublinha, é que tenham conhecimento dos assuntos, acrescentem valor às ideias e tenham capacidade de comunicar. “São pessoas com conhecimentos especializados e que dominam as questões políticas, até porque as conheceram por dentro.”
Adelino Maltez não assina a teoria do desprendimento partidário nas intervenções dos comentadores, sobretudo em períodos de campanha eleitoral, e ironiza: “Há alguns que antes de entrarem no ar recebem ou fazem umas chamadas a ministros”, observa, fazendo referência a Luís Marques Mendes, que tem sido criticado por anunciar informação em primeira mão no seu espaço de opinião, no jornal da noite de sábado da SIC. O antigo presidente social-democrata, que ocupa o segundo lugar no campeonato das audiências (com uma média de 21,6% de share em 2014), é encarado por muitos como um porta-voz do governo, que funciona como balão de ensaio para determinadas medidas. Exemplo de um desses casos aconteceu em Agosto do ano passado quando anunciou que o PSD estaria a estudar um hipotético aumento do IVA. Algo a que o CDS viria a opor--se “terminantemente” e que o primeiro-ministro viria a desmentir mais tarde. Para Maltez o grande problema dos espaços de opinião em Portugal é pertencerem a políticos quando deveriam ser ocupados por jornalistas: “Os órgãos de comunicação social caíram na tentação de entregar o exercício de comentário político a políticos profissionais por acharem que seria a via mais barata e despacharam os bons jornalistas editorialistas.”
O politólogo vai mais longe ao afirmar que existe um processo oculto de controlo da opinião pública no qual os comentadores são as peças-chave e contesta a falta de transparência do processo. “O que nos falta são bons jornalistas comentadores. O comentário político é essencialmente do jornalista de ideias. Esse é um exercício do bom jornalista e não dos políticos, que não têm noção da realidade”, comenta, justificando que Marcelo Rebelo de Sousa é líder de audiências por ser jornalista e não pelas suas características políticas. Por seu turno, António José Teixeira contrapõe: “Os políticos não têm de ser apagados do mapa mediático por serem políticos” e assegura que “nem todos andam à procura de novos lugares na política”. Para Maltez, a opinião política como se apresenta hoje em dia não é esclarecedora e só “serve os interesses das direcções”. “É uma ilusão pensar-se que contribui para o debate entre os cidadãos, até porque as pessoas perdem o interesse naquilo que já sabem que vai ser dito”, analisa, sublinhando que a maioria actua por impulso e sem preparação, apenas para influenciar a agenda noticiosa. Alcides Vieira prefere assinalar o lado positivo da questão. Segundo o director de informação, nunca como agora se debateu tanto “dentro e fora das televisões”, isto “graças aos canais de cabo e à internet”. No seu entendimento, o espaço de debate plural não se resume ao comentário. Realça os avanços nas coberturas em directo de debates parlamentares e os frente-a-frente, que trouxeram para o debate público “temas fundamentais que antes estavam escondidos”. Felisbela admite: sim, os media dizem em que pensar e até como pensar e por isso contribuem para algum debate. “É melhor haver este debate do que não haver debate nenhum”, afirma. Contudo, lamenta que este não seja mais diversificado e especializado” (fonte: Jornal I, com a devida vénia)

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