Em menos de um ano, um terço dos elementos do segundo
Executivo de Durão Barroso atravessaram a porta giratória que liga Bruxelas ao
mundo dos negócios. Próprio português que esteve durante dois mandatos à frente
da Comissão é apontado como tendo assumido 22 funções ligadas ao setor privado
Um em cada três comissários europeus que pertenceram,
até 2014, ao executivo de Durão Barroso passou pela “porta giratória” para
assumir lugares diretamente em empresas multinacionais ou organizações
relacionadas com os grandes negócios. A denúncia é do Observatório da Europa
Corporativa (CEO, na sigla inglesa), uma organização não governamental, com
sede em Bruxelas, que há vários anos alerta para os riscos de promiscuidade
entre o organismo dirigente europeu, responsável por normas que afetam mais de
500 milhões de cidadãos, e os interesses empresariais.
Num relatório divulgado esta quarta-feira, 28,
intitulado A porta giratória volta a rodar, o CEO diz recear que a situação
esteja a conduzir a uma relação estreita e pouco saudável entre o Executivo
comunitário e os interesses privados. Na perspetiva da ONG antilobbying, pelo
menos oito funções de porta giratória, mantidas por quatro ex-comissários, não
deviam ter sido sequer autorizadas, "devido ao risco de possíveis
conflitos de interesse".
Antigos membros da comissão Barroso, que tiveram de
lidar, no final da década passada, com as consequências do crash dos mercados
financeiros globais, estão agora na folha de pagamentos do setor financeiro.
Neelie Kroes, holandesa que pertenceu aos dois executivos liderados por Barroso
(primeiro com a pasta da Concorrência, depois vice-presidente e comissária da
Agenda Digital,) está com o Bank of America Merrill Lynch. Por seu turno, o
belga Karel de Gucht ligou-se à sociedade de private equity CVC e à gestora de
fortuna Merit Capital (da qual é acionista). Este antigo comissário do
Comércio, que iniciou as negociações euro-americanas com vista à Parceria
Transatlântica para o Comércio e Investimentos (TTIP), recebeu da atual
comissão de Jean-Claude Junker também a bênção para se juntar à operadora de
telecomunicações Belgacom (agora designada de Proximus).
Um problema antigo
“O mundo muito entrelaçado de políticos funcionários
públicos, industriais e lobistas, conhecido como a 'a bolha de Bruxelas' leva
por si só a relações doentiamente estreitas entre reguladores e regulados»,
considera o relatório do CEO. Associado a esse mundo surge o fenómeno das
portas giratórias entre os setores público e privado, libertando enorme
potencial de conflito de interesses.
“A porta giratória reflete um aspeto do sequestro do
processo decisório da União Europeia pelo mundo empresarial”, denuncia o
relatório.
Já no final do primeiro mandato de Durão Barrosso, em
2010, se assistiu a escândalos semelhantes, denunciados por várias ONG, através
da Aliança pela Transparência do Lobbying e Regulação Ética.
Dos seis dos 13 comissários que cessaram funções nessa
altura, fizeram uma transição quase imediata para o setor empresarial ou para o
lobbying.
O caso mais mediático foi o do irlandês Charlie
McCeevy, que ao deixar a pasta do Mercado Interno foi trabalhar com a unidade
de derivados da BNY Mellon, uma empresa de investimentos internacionais, entrou
para as administrações da Ryanair e da Sentenial, uma tecnológica especializada
em sistemas de pagamentos para a banca. Outro caso foi o do alemão Günter
Verheugen, antigo comissário para as Empresas e Indústria, que criou,
juntamente com o seu antigo chefe de gabinete, a empresa de consultoria
European Experience Company. Mas não ficou por aí. Juntou-se ainda à
administração da FleishmanHillard (uma empresa de consoltoria de lobbying),
tornanou-se consultor sénior e vice-chairman da sucursal alemã do Royal Bank of
Schotland com os pelouros da banca global e dos mercados da Europa, Médio
Oriente e África.
O escândalo teve repercussões e as regras foram
alteradas para padrões, que sugundo foi dito pela Comissão às ONG refletiriam
“as melhores práticas na Europa e no mundo”.
Contudo, comenta o Observatório, muitas lacunas
permaneceram.
O relatório divulgado esta quinta-feira, 28, demonstra
que, apesar da alteração das regras, as portas continuaram a girar entre os
setores público e privado, depois de Barroso ter cedido o seu lugar a Jean
Claude Junker.
O Observatório tem sucessivamente denunciado aquilo
que diz serem as tentativas do setor empresarial e dos lobis corportativos para
influenciarem as políticas da União Europeia. E alega que essas tentativas
nunca foram tão bem sucedidas como durante o segundo mandato de Durão Barroso,
sobretudo nas áreas da agricultura e alimentação, finança, políticas económicas
e orçamentais.
O código de conduta estipula que, durante os 18 meses
posteriores à cessação de funções, os ex-comissários têm de comunicar quais são
as suas novas funções. E que quando essas estiveram relacionadas diretamente
com o trabalho anterior, torna-se obrigatório pedir um parecer à Comissão de
Ética, mas que não é vinculativo.
Durante esses 18 meses, não podem trabalhar como
lobistas de entidades privadas. Mas segundo o estudo do CEO, as linhas
vermelhas são subtis, flexíveis e, aparentemente, fáceis de contornar.
Em compensação pelo período de nojo de um ano e meio,
um ex-comissário europeu tem direito a uma pensão. Dependendo dos anos em que
esteve em cargos executivos, essa pode oscilar entre 40 a 65% do salário
auferido enquanto comissário no ativo. E esse vencimento é de 250 mil euros
anuais, desde 2012.
No caso do presidente da comissão, o salário sobe para
306 mil euros por ano, sem contar com complementos e outros benefícios.
Barroso, o campeão
Durão Barroso é o campeão das funções pos-comissão. O
ex-presidente da Comissão ocupa 22 lugares de destaque, no meio académico, das
artes, emthink tanks e em agências de mediação de oradores para conferências.
Entre as novas funções do ex-primeiro ministro português está a de presidente
honorário da Comissão Hononrária da Cimeira de Negócios Europeia e a de membro
da Comissão Organizadora das Conferências de Bilderberg.
Esta última foi apreciada pela Comissão de Ética ad
hoc, desconhecendo-se até que ponto foi tido em conta o facto de se tratar de
um fortíssimo grupo de pressão. Quanto à primeira, por ser um lugar honorífico,
a Comissão contentou-se em ser notificada da nomeação do ex-presidente para a
Cimeira Europeia de Negócios – “o maior evento de lobby empresarial no
calendário da 'bolha de Bruxelas'”, considera o CEO.
Para o Observatório, remuneradas ou não, honoríficas
ou não, todas as funções pós-comissão sujeitar-se a uma autorização formal.
“Por uma questão de clareza e transparência”. “Os antigos comissários deveriam
ser explicitamente proibidos de aceitar qualquer nova função suscetível de
acarretar riscos de conflito de interesses, com o cargo que anteriormente
desempenharam por um período de três anos”, lê-se no relatório.
Alguns factos do relatório
- 26 comissários do Executivo Barrosso II desempenham
117 funções pós-comissão. Dessas 117, 98 foram formalmente autorizadas pela
Comissão
- 37 foram avaliadas por uma comissão de ética ad hoc,
cujo parecer não é vinculativo
- 9 dos 26 comissários passaram pela porta giratória
para funções em empresas e organizações ligadas ao mundo dos negócios. O CEO
considera que oito postos, ocupados por quatro ex-comissários deviam ter sido
liminarmente rejeitadas (texto do jornalista da Visão, Francisco Galope)
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