O mês de Novembro de 1998 foi politicamente ciclónico
no Faial, a ilha que Nemésio retratou em “Mau Tempo no Canal” e onde está
instalada a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Carlos César, que foi ontem eleito líder parlamentar
do PS, era desde 1996 presidente do Governo Regional dos Açores. O PS tinha
vencido as eleições da sucessão de Mota Amaral, mas sem maioria absoluta.
Carlos Costa Neves, o agora indigitado ministro dos Assuntos Parlamentares,
chefiava o PSD/Açores. O primeiro governo de César, sem maioria na Assembleia
Legislativa Regional, lá ia governando com o apoio do CDS.
Mas em 1998 aconteceu uma reviravolta. O PSD de Costa
Neves e o CDS/PP de Alvarino Pinheiro fazem um acordo em que, juntos, se
manifestam prontos a protagonizar uma alternativa política ao governo PS. Exactamente
o que se está a passar neste momento, só que com outros protagonistas. Agora, é
a coligação PSD-CDS que venceu as eleições sem maioria e o PS, PCP e Bloco, que
têm a maioria na Assembleia da República, que estão dispostos a derrubar o
governo.
PSD e CDS, juntos, conseguiram derrubar o presidente
da Assembleia Legislativa Regional, o socialista Dionísio Sousa – um episódio
semelhante ao facto de, na semana passada, Ferro Rodrigues ter sido eleito
presidente da Assembleia da República com o apoio do PS, PCP e Bloco de
Esquerda.
Carlos Costa Neves queria levar o acordo político a
que tinha chegado com o CDS/Açores até às últimas consequências: o derrube do
governo de Carlos César. Ao i, Costa Neves conta agora que teve uma conversa
com o então Presidente da República, Jorge Sampaio, que lhe garantiu que
dissolveria a Assembleia Legislativa Regional dos Açores se PSD e CDS fossem
por essa via.
A questão deu azo a infindáveis discussões jurídicas.
O PSD considerava que a possibilidade de o Presidente da República dissolver a
Assembleia Legislativa Regional dos Açores só em caso de “atentados contra a
Constituição da República”, que se entendia como declaração de independência ou
questões similares. Mas o aviso de Jorge Sampaio fez desmotivar o PSD-Açores. A
ideia de que o Presidente da República nunca aceitaria um governo regional dos
Açores nascido a partir da Assembleia Legislativa Regional travou o PSD e o CDS
de derrubarem o primeiro governo César.
Assim, o único momento simbólico do acordo político PSD/CDS
foi o derrube, através de uma moção de censura, do presidente da Assembleia
Legislativa Regional dos Açores, Dionísio de Sousa.
Foi a 27 de Novembro de 1998. O líder parlamentar do
PSD, Vítor Cruz [amigo pessoal de Pedro Passos Coelho, com quem partilhou a
direcção da JSD], defendia que “o parlamento não é, na versão redutora de
alguma doutrina do PS, nem 27 pessoas que nada representam, nem 24 pessoas
encandeadas pela luminosidade de um presidente do governo. O cidadão vota e
elege listas de deputados, e não de governantes [...) Há hoje nos Açores um
confronto de legitimidades – a decorrente da investidura parlamentar do governo
e a constante e indesmentível legitimidade originária do parlamento”. Vítor
Cruz, que anos mais tarde também seria líder do PSD-Açores, defendia: “Num
sistema parlamentar, qualquer conflito entre o executivo e o parlamento deve
ser dirimido a favor da Assembleia. Há hoje um acordo de incidência parlamentar
entre o PSD e o CDS/PP que justifica alterações na composição da Mesa da
Assembleia, por forma que esta corresponda à maioria parlamentar que agora se
formou.”
O PSD e o CDS ficaram na semana passada em choque com
a derrota do seu candidato a presidente da Assembleia, Fernando Negrão, contra
Ferro Rodrigues, que tinha o apoio da maioria de esquerda. Mas em 1998, nos
Açores, PSD e CDS conseguiram derrubar o presidente da Assembleia Legislativa
Regional através de uma moção de censura.
Em 1998, PSD e CDS não estavam dispostos a tolerar o
que chamavam a “vitimização do PS”. Vítor Cruz: “Não colhe, portanto, a
tentativa de transformar um acto institucional numa vitimização pessoal. O PS
está especializado em fazer-se de vítima, espero que não use o presidente da
Assembleia da República como propaganda política.” O líder parlamentar do
PSD/Açores afirmava que “ninguém hoje tem dúvidas de que o governo demonstrou
irremediavelmente ser incapaz de gerar um apoio maioritário no parlamento”. E,
referindo-se ao CDS, continuava: “Os que o apoiaram na fase inicial da
legislatura declaram-se hoje verdadeiramente arrependidos. Nada será mais como
era antes.” E Cruz utilizava um argumento que foi agora usado contra o PSD a
propósito da eleição de Ferro Rodrigues como presidente da Assembleia da
República: “Se é verdade que o presidente da Assembleia sempre foi do partido
mais votado, o partido mais votado sempre foi maioritário. Hoje não é assim, o
partido mais votado não é maioritário e, para além disso, perdeu o consenso que
lhe permitia assegurar a representação maioritária no parlamento.”
O líder do CDS-Açores, Alvarino Pinheiro, corroborava:
“O Partido Socialista perdeu o apoio parlamentar que detinha, encontrando-se
hoje numa situação perfeitamente minoritária na Assembleia Legislativa Regional
dos Açores. A este isolamento do grupo parlamentar do PS há que acrescentar o
facto de os grupos parlamentares do PSD e do PP, na sequência de um acordo de
incidência parlamentar entretanto firmado, constituírem efectivamente uma
maioria expressiva da vontade deste parlamento e, por conseguinte, do povo dos
Açores”.
Continuava o dirigente centrista: “O novo quadro
político--partidário desta Assembleia impõe que a defesa intransigente da
instituição parlamentar seja, a partir de agora, uma preocupação permanente do
primeiro responsável desta Assembleia Legislativa, face ao confronto que o
governo minoritário do PS vem desencadeando contra a Assembleia.”
O acordo PSD/CDS só teve como consequência política
maior eleger um novo presidente da Assembleia Legislativa Regional. Perante a
ameaça do Presidente da República, Jorge Sampaio, de não aceitar o derrube do
governo de Carlos César pelo parlamento – tendo comunicado ao líder do
PSD-Açores, Costa Neves, que dissolveria a Assembleia Regional –, a vontade de
avançar com uma moção de censura ao governo por parte da maioria parlamentar
esmoreceu. Costa Neves, por ele, teria ido até ao fim, confiante de que o
sistema açoriano é puramente parlamentar – e não como o da República,
semipresidencialista. O primeiro governo César durou quatro anos. Seguiu-se a
primeira maioria absoluta (Jornal I)
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