Em 2009, o governo era minoritário e ninguém ousou
desafiá-lo. Sócrates foi ao Parlamento, queixou-se dos outros partidos e
defendeu a legitimidade do seu programa - afinal, tinha vencido as eleições.
Sabemos todos que o novo quadro parlamentar não
confere a nenhum partido uma maioria absoluta. É verdade. Mas isso não
significa que as eleições não tenham tido um partido vencedor. Porque tiveram.
E os portugueses deram até ao partido vencedor aquilo que se pode considerar
uma vitória clara”.
Este poderia ser o início do discurso que Pedro Passos
Coelho vai proferir esta sexta-feira, dia 30, na tomada de posse. Mas não. Esse
ainda é desconhecido. As palavras pertencem, em verdade, a José Sócrates,
quando, a 5 de novembro de 2009, apresentou o programa do seu governo
minoritário na Assembleia da República.
Ainda que assinalando as devidas diferenças, é
possível traçar muitos paralelismos entre um e outro momento político: de 2005
para 2009, José Sócrates passava de primeiro-ministro de um Governo suportado
por uma maioria absoluta no Parlamento, para um Governo minoritário – Passos
está agora na mesma situação. Em 2009, tal como hoje, Cavaco Silva estava
também impedido de dissolver a Assembleia da República – o Parlamento não pode
ser dissolvido nos primeiros seis meses de um novo Presidente, nem nos últimos
seis do seu mandato.
No entanto, José Sócrates não enfrentava, na teoria,
uma maioria contrária: é certo que PSD e CDS, juntos, tinham mais votos que os socialistas.
Se quisessem medir forças num braço-de-ferro parlamentar podiam apresentar uma
moção de rejeição para derrubar o Governo do PS. Mas só o conseguiriam fazer se
PCP ou Bloco de Esquerda dessem uma ajudinha e alinhassem – o que seria
altamente improvável. Já Passos tem, hoje, a oposição da maioria de esquerda no
Parlamento e é isso que a oposição faz questão de lembrar para justificar a
aliança: “A maioria dos portugueses expressou uma vontade de mudança” que agora
se reflete num nova redistribuição de forças, como já disse várias vezes
António Costa.
Nova passagem pelo discurso de José Sócrates. Que nem
perante a perda de maioria no Parlamento, o ex-primeiro-ministro deixou de
defender a legitimidade do seu Governo.
O Governo que aqui se apresenta, diante do Parlamento,
é o Governo que corresponde à vontade dos portugueses, livre e democraticamente
expressa nas urnas. Este é, pois, um Governo com inteira legitimidade
democrática para governar nos quatro anos desta legislatura!“, afirmava o
ex-primeiro-ministro no Parlamento.
Voltando a 2015. Um dos argumentos esgrimidos pela
direita quando critica o “golpe de Estado” conduzido pelos socialistas é o
facto de, dizem sociais-democratas e centristas, o programa de Governo que foi
sufragado ter sido o da coligação Portugal à Frente e não o do PS – nem
tampouco o de Bloco de Esquerda e PCP. Ora, essa argumentação foi, em parte, a
mesma utilizada por José Sócrates em 2009.
Pois bem: o Governo que os portugueses escolheram,
está aqui para apresentar exatamente o mesmo Programa que os portugueses
votaram! O Programa que o Governo submete à apreciação desta Assembleia é
aquele que foi apresentado como programa eleitoral e de Governo pelo partido
que ganhou as eleições – apenas expurgado, naturalmente, das referências
partidárias ou de mero balanço da legislatura passada. Esta é, sem dúvida, a
melhor forma de garantir o respeito integral pela vontade expressa dos
eleitores!“, reforçava Sócrates.
O ex-primeiro-ministro queixava-se também da falta de
abertura dos restantes partidos para dialogarem, acusando-os de se
“autoexcluírem, deliberadamente, de qualquer contributo sobre o teor do
Programa do Governo”.
Então o Governo, não apresentando o Programa do PS,
devia afinal de contas apresentar o Programa de quem?! (…) não podem por isso
estranhar que o Governo apresente aqui o Programa que é o seu!”.
Passos viria a queixar-se do mesmo, depois de falhadas
as negociações com PS: os socialistas não podem esperar que a Coligação governe
com o programa do PS, chegou a dizer o primeiro-ministro.
Do que se trata, é de o Parlamento – que representa a
Nação, em resultado das eleições legislativas – reconhecer que este XVIII
Governo Constitucional, empossado pelo Senhor Presidente da República,
corresponde, de facto, ao resultado das eleições“, insistia o então líder
socialista e primeiro-ministro.
A terminar, José Sócrates pedia ao Parlamento que
permitisse o Governo entrasse “em plenitude de funções, para cumprir o Programa
que é o seu – tal como os portugueses o sufragaram, quando chamados a escolher
o melhor para o país. (…) O que se pede aos partidos da Oposição representados
no Parlamento é uma atitude de responsabilidade ao serviço do bom funcionamento
das instituições democráticas e do interesse do País. Tenho a certeza de que
isso não será pedir demais!” (Observador)
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