Um canadiano, referenciado pelo Ministério Público
(MP) como um “académico prestigiado, doutorado em economia pela Universidade de
Harvard”, foi acusado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de
Lisboa pelo crime de manipulação de mercado, de acordo com o comunicado
publicado na página da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. Segundo o MP, o
arguido pretendia a “desvalorização das obrigações do tesouro portuguesas”,
tendo ficado indiciado, para a investigação, que “este arguido era à data
(Abril de 2010), administrador de uma sociedade que prestava serviços de
consultadoria de investimento e de gestão de carteiras sobre investimentos
financeiros a uma outra sociedade gestora de fundos de investimento
especulativo (hedge fund)". O suspeito, que terá conseguido com esta
actuação cerca de 820 mil euros em mais-valias, tinha "interesse na
desvalorização da dívida portuguesa e na subida dos yields [taxa de juro
implícita], uma vez que só a respectiva desvalorização permitia recuperar a
dívida (encerrar a posição curta) com mais-valias e potenciar os seus
ganhos". “Com esta finalidade publicou vários artigos em blogs, sendo um
deles associado a um jornal de referência mundial, no período compreendido
entre Fevereiro e Abril de 2010. Os artigos de opinião tiveram impacto nas
yields da dívida pública portuguesa, influenciaram os investidores, até porque
o arguido era um académico prestigiado, doutorado em economia pela universidade
de Harvard e os artigos foram publicados em contexto de grande instabilidade
financeira, de receio de contágio com a dívida grega, estando os mercados em
situação de elevada susceptibilidade”, refere o DIAP de Lisboa. A investigação,
a cargo da 9ª secção do DIAP de Lisboa, contou com o apoio técnico do regulador
do mercado de capitais, a CMVM. De acordo com comunicado do DIAP, esta é uma
"acusação por crime com contorno inéditos".
Juros a disparar
O ano de 2010, após a crise financeira de 2008
iniciada nos Estados Unidos, foi marcado pela desconfiança dos investidores em
relação à Grécia, após este país ter revelado que o défice era bastante
superior ao esperado. Com menos liquidez no mercado, os investidores começaram
a ter dúvidas sobre a capacidade de pagamento de dívidas do país, enquadrada
por falta de apoio dos parceiros europeus. A desconfiança alastrou rapidamente
a outros mercados, com especulação à mistura, e Portugal entrou também no
radar. Se no início do ano a taxa implícita dos Obrigações do Tesouro a dez
anos estavam nos 4,061 euros no mercado secundário (onde a dívida é comprada e
vendida entre investidores), depressa começou a subir. Isto é, havia quem
quisesse vender, e os compradores exigiam um maior retorno devido à subida do
risco, encarecendo depois o financiamento do Estado. No mês de Janeiro as taxas
de juro deixaram para trás os 3%, chegando aos 5% em Abril. Só em Abril, as
taxas de juro subiram 23%, passando de 4,187% para 5,154. A tendência de
agravamento manteve-se, e, em 2011, incapaz de se financiar, o país teve de
solicitar a intervenção da troika de credores formada pelo FMI, BCE e Comissão
Europeia (Público)
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