quarta-feira, 21 de outubro de 2015

UE: directiva europeia põe em causa a liberdade de imprensa

Em Dezembro de 2010, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o estado português a pagar uma indemnização de 83 mil euros ao jornal “Público”. Em causa estava uma notícia publicada pelo jornal sobre dívidas fiscais do Sporting. Os jornalistas tiveram acesso a informação fiscal reservada que demonstrava que o clube devia uma verba de 2,3 milhões de euros às Finanças. O clube negou a notícia e a disputa passou para os tribunais.
As duas primeiras instâncias ilibaram o jornal. No entanto, em Março de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça inverteu a decisão e condenou o jornal a pagar 75 mil euros ao Sporting. Os juízes consideraram que, mesmo que fosse verdadeira, a notícia tinha violado o direito à imagem do clube e tinha tido um efeito negativo para o seu bom nome e crédito. Para o Supremo, “não havia concreto interesse público na divulgação do que foi divulgado”. 
O “Público” recorreu para o Tribunal Europeu de Direitos do Homem e esta instância deu razão ao jornal, em Dezembro de 2010, considerando que o artigo em causa tinha “manifestamente interesse geral” e que o jornal tinha uma base factual, inclusive um documento das Finanças, para publicar as notícias.
Depois de Novembro de 2015, a sentença do Tribunal Europeu poderia não ser a mesma. Em causa está a possível aprovação, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, da directiva “sobre a protecção do saber-fazer e das informações comerciais não divulgadas (segredos comerciais) contra a obtenção, utilização e divulgação ilícita”.
A directiva defende como segredo uma informação que reúna três condições:
1. Não seja facilmente acessível a pessoas que pertençam aos círculos em que esta informação seja tratada.
2. Possua valor comercial pelo seu carácter secreto.
3. Tenha sido objecto de medidas razoáveis para a manter secreta, tomadas pelas pessoas que legalmente exerçam o seu controlo. Os críticos afirmam que esta legislação vai permitir acabar com o jornalismo de investigação. Segundo Martin Pigeon, investigador do Observatório da Europa das Corporações, uma organização pró-transparência que estuda o trabalho dos lóbis empresariais para influenciar a legislação europeia, citado pelo site El Español, “com estes critérios, todo o tráfego de emails na rede interna de uma empresa poderia ser considerado segredo comercial se estiver protegido com uma password”. As alterações feitas pelo Parlamento Europeu em 22 de Junho de 2015, pela mão de Constance Le Grip, eurodeputada francesa do partido do ex-presidente Sarkozy, não diminuíram estes receios. Tanto o Parlamento como a Comissão inventariam um conjunto de excepções, entre elas “o uso legítimo do direito à liberdade de expressão e informação”, “a revelação de um comportamento impróprio”, que os reveladores tenham actuado “no interesse público” e “sempre que a obtenção de um segredo comercial for necessária para a revelação”.
No relatório do Bureau of Investigative Journalism “A Lobbying masterclass – The inside story of how big business worked with lobbyists to influence the EU drawing up controversial trade secrets proposals”, as ressalvas são consideradas muito insuficientes e até preocupantes.
“Esta justificação em três passos pode tornar fácil a condenação de denunciantes e jornalistas pelos estados-membros.” O relatório alerta para situações graves em países como o Luxemburgo, onde a legislação é já muito restritiva, tal como a directiva proposta. O jornalista francês Édouard Perrin escreveu sobre o escândalo LuxLeaks, prática de centenas de grandes empresas de desviarem capitais para o Luxemburgo quando o actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, estava à frente do governo, permitindo que fugissem aos impostos nos seus países de forma ilegal. Neste momento, Perrin, devido às perseguições da justiça luxemburguesa, teve de fugir para os EUA porque arriscava cinco anos de prisão e um milhão de euros de multa. “Não vou queixar-me nem chorar. É uma consequência do que fiz que aceito de bom grado”, declarou ao El Español o jornalista. Apesar da aceitação dos riscos por parte de Perrin, muitos jornalistas vêem no seu caso aquilo que poderia acontecer caso a directiva fosse aprovada. A campanha na Change.org dinamizada pela jornalista Élise Lucet (www.change.org/p/ne-laissons-pas-les-entreprises-dicter-l-info-stop-directive-secret-des-affaires-tradesecrets) reuniu quase 500 mil assinaturas para que o Parlamento Europeu escute estas preocupações. A eurodeputada do BE Marisa Matias lembras que a directiva não é um caso isolado: “Há tentativas de grandes empresas de condicionar a liberdade, como esta directiva e a tentativa de pôr em causa a neutralidade da internet. Muito dependerá da mobilização pública”, alertou (texto do jornalista do Jornal I, NUNO RAMOS DE ALMEIDA)

Sem comentários:

Enviar um comentário