sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Jornalismo de investigação vive por entre falta de transparência

A Internet pode ter aberto muito a sociedade, mas é preciso saber onde procurar e “as pessoas continuam a confiar, acima de tudo, em jornalismo de qualidade”: esta foi uma das conclusões do debate acerca do estado do jornalismo de investigação que envolveu, numa sala de cinema do centro El Corte Inglés, os jornalistas José António Cerejo (Público) e Pedro Coelho (SIC) com moderação de Paulo Nuno Vicente, professor na Universidade Nova. 
Outra conclusão registada durante a conversa foi no sentido de que o jornalismo de investigação não é um animal em vias de extinção, mas enfrenta inúmeros obstáculos, constrangimentos e problemas que vão desde a escassez de meios económicos à falta de motivação dos jornalistas, sem esquecer a crise global. 
O pretexto foi a ante-estreia do filme “O Caso Spotlight”, dedicado à investigação jornalística do “Boston Globe” sobre os casos de pedofilia na igreja católica local, a qual seria premiada com o Pulitzer. “Teimosia e carolice, porque não há uma compensação específica para este tipo de trabalho, e alguma resistência, pois nada ajuda a desenvolver este jornalismo, bem como alguma cumplicidade editorial, cada vez mais difícil de encontrar” foram ingredientes que Cerejo considerou fundamentais no jornalismo de investigação. A exibição do filme, candidato a seis Óscares da Academia, iria demonstrar, de forma eloquente, a sua razão. 
A falta de dinheiro é apenas um dos problemas, mas Pedro Coelho, além de lembrar as limitações de um meio como a televisão, onde “arranjar imagens para ilustrar a investigação e contar a história”é um obstáculo constante, encontra dois “a montante desses: jornalistas pouco motivados, interessados e persistentes até por se confrontarem com a Justiça e eventuais processos devido a algumas fontes; e o facto de, ao confrontar poderes instituídos, se correr o risco de cruzamento com empresas que proporcionam receitas à actividade comercial dos próprios órgãos de comunicação para os quais trabalham”.
Cerejo referiu-se, no caso português, “à extrema opacidade da Administração Pública e das entidades privadas, a falta de transparência e outras características de natureza cultural e económico-social” como obstáculos importantes. 
Por questões que envolvem a sua sustentabilidade, Coelho admite que existe preocupação face ao “jornalismo como actividade que participa na consolidação da democracia”, embora considere que o seu futuro “não está em causa”. Porém, “sem uma sociedade civil com a dimensão da norte-americana, a ideia de fontes de financiamento como Fundações tem aplicação menos provável”.
Reforçando as convicções manifestadas a propósito da persistência que deve ser um argumento de todos os dias, José António Cerejo lamentou: “Neste momento, é como se houvesse uma espécie de máquina de adormecimento para os jornalistas serem mansos.”
O papel das universidades
Antes, Paulo Nuno Vicente falara na “cooperativa de media, criada em 2013 e incubada na Universidade, que permitiu lançar, em Dezembro último, o Divergente, projecto digital financiado em parte pela bolsa do Journalism Fund da União Europeia e cuja primeira peça, resultado de trabalho de ano e meio, analisou o ‘comércio’ de jovens africanos e latino-americanos para o futebol europeu”. No seu entender, este deve ser um dos passos da Universidade: “Arriscar soluções e não apenas traçar diagnósticos. Mas também é preciso que haja mais associações de jornalistas preocupados com a situação do jornalismo.” 
Mas nem os tempos difíceis levam Cerejo ou Coelho a perder confiança. “Há-de existir sempre quem seja jornalista, não se cale e insista nas perguntas”, diz o primeiro. “Apesar dos mil e um clones que vão aparecendo, os jornalistas não são substituíveis.” 
O segundo, também professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova e com tese de doutoramento intitulada “Jornalismo e mercado: os novos desafios colocados à formação”, acrescenta uma manifestação de confiança inabalável: “A próxima geração tem a possibilidade soberana de fazer melhor do que esta, cercada por uma confrangedora falta de fundos.” (pelo jornalista do Económico, Paulo Jorge Pereira)

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