domingo, 24 de janeiro de 2016

Futebol: Uma selecção americana com poucos americanos

Um guarda-redes norte-americano, um defesa-direito belga, um defesa-esquerdo inglês, um central dinamarquês, um médio-direito argentino e um avançado de Trindade e Tobago, entre outros. Esta era uma equipa ficcional de prisioneiros de guerra dos Aliados que enfrentava a poderosa selecção alemã em “Fuga para a Vitória”, o único filme sobre futebol que a maioria dos adeptos consegue identificar. O empate (4-4) com sabor a vitória aconteceu porque Sylvester Stallone sabia defender penáltis e Pelé, o tal avançado tobaguenho (no filme), marcou, de braço ao peito, um golo de pontapé de bicicleta. Com quase tantas nacionalidades em campo, uma experiência futebolística norte-americana chamada “Team America” entrou para história, não como um sucesso retumbante, mas como um bizarro fracasso. E também tinha Pelé
Bizarro talvez seja a melhor palavra para descrever o soccer nos anos 1970, sempre com um toque de loucura megalómana, como aquela vez em que se importaram equipas inteiras, mudaram-lhes os nomes e formaram um campeonato (que só teve uma edição). Depois, veio a North American Soccer League e a importação de “estrelas” veteranas, como Pelé, Eusébio ou Beckenbauer, que também não teve grande duração. Foi desta constelação de “estrelas” que saiu a “Team America”, uma equipa que jogaria com as cores norte-americanas num torneio para comemorar o bicentenário da independência dos EUA, mas em que menos de um terço dos jogadores eram naturais do país – sete em 23.
Este combinado tinha jogadores de 11 nacionalidades, incluindo um português, João “John Pedro”, um médio de 25 anos dos Rochester Lancers que jogou quase toda a carreira na CUF, equipa a onde voltou depois de duas épocas nos EUA – António Simões também foi pré-convocado para o Team America, mas ficou de fora. Os EUA podiam não ter grande pedigree no futebol mundial, mas estavam bem apetrechados para enfrentar três das melhores selecções do mundo, Brasil, Inglaterra e Itália. Para começar, tinham dois jogadores campeões do mundo, Pelé, tri-campeão do mundo pelo Brasil, e Bobby Moore, campeão pela Inglaterra (e que também entrou em “Fuga para a Vitória”).
Também estavam George Best e Rodney Marsh, mas retiraram-se da equipa antes do início do torneio. A versão oficial é que queriam dar espaço aos jogadores locais; a versão não oficial é que exigiam ser titulares em todos os jogos e o seleccionador Ken Furphy não foi na conversa. Mas quem precisava de Best ou Marsh, quando se tinha Pelé (que seria o capitão) e Chinaglia, a dupla maravilha do New York Cosmos? O optimismo era grande, mas nem todos pensavam assim. “Agora vamos perder 2-1 ou 3-2 em vez de perdermos 5-1 ou 4-0. Vamos provar o quê? Que Pelé, Marsh e Best sabem jogar futebol? Isso nós já sabemos. Podíamos perder 10-0. E depois? Somos novatos neste desporto e só podemos melhorar”, dizia, antes do torneio, Hubert Vogelsinger, o treinador alemão dos Boston Minutemen, uma das equipas da NASL.
O primeiro jogo do “Team America” no Estádio Robert Fitzgerald Kennedy, em Wahington, frente à Itália, perante cerca de 35 mil espectadores. O resultado não foi surpresa para ninguém, 4-0 para a “squadra azzurra”. Era um primeiro sinal de que este “Team America” internacional seria o bombo da festa no torneio. Depois veio o Brasil, contra quem Pelé se recusou a jogar. Este Brasil ainda tinha alguns sobreviventes do título de 1970 (Rivelino, Emerson Leão) e alguns da fantástica selecção de 1982 (Zico, Dinamite), mas, ou teve pena do anfitrião, ou não se preocupou muito com o jogo. Ganhou apenas por 2-0, dois golos de Gilberto Alves “Gil”, avançado que, alguns anos depois, acabaria a carreira com três épocas no Farense.
Para o fim ficou o confronto com a Inglaterra, a antiga colónia contra o antigo colonizador. Só faltou ser a 4 de Julho, mas foi em Filadélfia, cidade onde foi assinada a Declaração de Independência. Também foi um jogo sem grande história, 3-1 para os ingleses, dois de Kevin Keegan, um de Gerry Francis, com o escocês Stewart Scullion a marcar o único golo do “Team America” neste torneio que seria conquistado pelo Brasil, bastante mais sério no jogo decisivo frente aos italianos (4-1). Quanto à Babel futebolística que entrou em campo a fazer de selecção dos EUA, foi para a pilha de experiências falhadas fazer com que os americanos gostem de futebol (Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos, pelo jornalista do Público, Marco Vaza)

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