A Coreia do Norte está a atravessar a “pior seca em 100 anos”. Estas
palavras são da agência central norte-coreana e uma confissão rara de que algo
não corre bem. No ano passado, o país teve o nível de chuvas mais baixo dos
últimos 30 anos e cerca de 30% dos campos de arroz estão ressequidos, “o nível
das águas nos reservatórios está no mais baixo e rios e ribeiros estão a ficar
secos”. As Nações Unidas dizem que as produção de alimentos pode ser reduzida a
metade. Não são boas notícias para um país subnutrido e em que a alimentação
depende quase totalmente do sector agrícola. O facto de o próprio regime o ter
anunciado abertamente é revelador. “Indica que a situação é grave, e pode ser
um sinal de que a Coreia do Norte quer ajuda externa”, escreve Stephen Evans,
correspondente da BBC em Seul. “Não temos informações suficientes para saber se
as pessoas estão a passar fome ou não”, afirmou ao diário britânico The
Guardian Liliana Balbi, responsável da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO). “Mas a situação é grave. Estão no limite.” O
mais recente fenómeno climático El Niño, que na Ásia pode causar episódios de
seca, e está a ameaçar as colheitas de batata, trigo e cevada nas províncias de
Hwanghae, além das de arroz, será a causa mais directa dos problemas actuais,
dizem os peritos da FAO. A Coreia do Norte tem vivido sucessivas crises
alimentares, que têm forçado o regime a alguma abertura ao exterior. O país
está longe da auto-suficiência. O número de pessoas com fome aumentou de 4,8
milhões de 1990, para 10,5 milhões de 2014, de acordo com um relatório da FAO
de Maio, citado pelo Guardian. A ajuda alimentar externa tornou-se uma arma de
pressão política sobre o regime norte-coreano. Em 2008, por exemplo, ano da
última crise alimentar, os Estados Unidos fizeram depender a sua ajuda
humanitária do sucesso das negociações sobre o programa nuclear de Pyongyang.
No mesmo ano, a Coreia do Sul exigiu que o regime pedisse expressamente ajuda
antes de enviar mais apoio. Seul é, ainda assim, uma das principais fontes de
apoio alimentar, tal como a China, que o faz em segredo de Estado. Mas a ajuda
internacional está subfinanciada. Em Abril, o Programa Alimentar da ONU pediu
111 milhões de dólares para manter a ajuda à Coreia do Norte, porque o
financiamento tinha caído para apenas 50 milhões. Em 2004, eram canalizados 300
milhões de dólares para apoiar a alimentação dos norte-coreanos. Segundo a
organização, um terço das crianças com menos de cinco anos sofre de malnutrição
e o mesmo acontece com 20% das grávidas e mulheres em aleitamento. Cerca de 40%
da população total sofre de perturbações alimentares. O motivo desta situação
são as sanções que o país está sujeito porque o regime insiste no
desenvolvimento de armas nucleares. As negociações estão paralisadas desde
2008, e o regime já realizou três ensaios nucleares: em 2005, 2009 e 2013. Apesar
disso, o regime continua a sonhar com a autonomia alimentar. Numa das suas
primeiras intervenções depois de ter chegado ao poder, em 2011, Kim Jong-un
declarou que o país nunca mais teria “de apertar o cinto”.
Agricultura privada
A actividade agrícola é profundamente controlada, mas as sanções
económicas impedem o acesso generalizado a instrumentos mecânicos de plantação.
Até aos anos 90, a actividade agrícola dependia destes instrumentos e de
fertilizantes químicos. Graças a eles, o regime terá estado perto da
auto-suficiência na segunda metade da década de 80. Mas o acesso a combustível
e a peças de maquinaria tornou-se mais difícil nos anos seguintes. Após décadas
de cultivo intensivo e desflorestação, que levaram à erosão do solo, os terrenos
agrícolas começaram a tornar-se inférteis. A crise alimentar atingiu o pico
entre 1994 e 1998, anos que ficaram conhecidos como a Marcha Árdua. Uma
conjugação de mau tempo, falta de recursos e má gestão governamental deixou o
país numa crise agricola sem precedentes. Estima-se que mais de 500 mil pessoas
terão morrido de inanição. Mas é pouco provável que a seca deste ano atinja as
proporções do passado. Para além do apoio internacional – a China anunciou que
está disposta a dar a “ajuda necessária” –, o regime abriu uma nesga da porta
para a agricultura privada. As novas regras autorizam os agricultores a ter
pequenos campos familiares e a guardar o que sobrar das colheitas. Isto
contribui para uma maior segurança alimentar e para que surgissem pequenos mercados
agrícolas, onde os produtores vendem parte das suas colheitas a preços mais
altos do que ao Governo. No entanto, tudo isto mantém a população no "fio
da navalha", comentou à Reuters Daniel Pinkston, do International Crisis
Group. "Podem ter tido quatro, cinco anos de produção decentes, mas basta
um desastre, uma cheia ou um ano de El Niño para ter um impacto negativo” (fonte: Público, texto do jornalista Felix Ribeiro com a devida vénia)
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