Duas carrinhas descarregam turistas loiros, de
chinelos e sombreros, no cemitério de Montesacro, no sul de Medellín, onde,
desde 2 de dezembro de 1993, está sepultado Pablo Escobar, o maior traficante
de cocaína que o mundo conheceu. Sarah e Lili, duas canadianas, chegam ao mesmo
tempo num tour mais privado, pelo qual pagaram 150.000 pesos (cerca de 45
euros) à agência Medellín City Tours. Além do túmulo, o pacote oferece
passagens pelas casas em que o criminoso viveu e morreu e pelo bairro que
fundou. “Eu sou fã da série ‘Narcos’ e quero ver com os meus próprios olhos
como era a vida de Escobar: os locais dos crimes, a sua faceta de Robin dos
Bosques e onde escondia o dinheiro”, diz Lili, de 27 anos. “O meu pai até me
disse que devia escavar para tentar encontrar notas”. Desde que deixou de ser taxista para se
especializar nos périplos sobre o chefe do cartel de Medellín, o guia Helbert
Zaque, de 38 anos, habituou-se a satisfazer a curiosidade dos turistas: “Vêm de
todo o mundo. É o itinerário mais procurado, mesmo comparado com a visita aos
monumentos”.
Helbert conduz uma viagem entre a lenda e a
realidade, um limbo em que a imagem de Escobar se posicionou desde que começou
a passar cocaína para os EUA, no fim dos anos 70. À porta do devoluto edifício
Mónaco, onde o traficante viveu com a família e foi alvo de um atentado montado
pelo cartel de Cali, entrega umas moedas ao segurança para mostrar às duas
canadianas o antigo lar de “El Patrón”. “Veem os buracos nos tetos e nas
paredes? Foram feitos pelas pessoas que invadiram o prédio para procurar
dinheiro quando ele morreu”, diz Helbert. Lili e Sarah espreitam as cavidades.
Mais à frente, a piscina, em que 14 mulheres virgens aguardavam nas festas os
sócios de Escobar e, na cave, a escura sala de tortura que provoca calafrios às
visitantes. “Não se sabe quantos terão morrido aqui. Umas dezenas, certamente”,
conta o guia.
“O MORTO MAIS VIVO DO PAÍS”
Mais de dez agências turísticas oferecem atualmente
excursões pelos pontos-chaves da vida de Pablo Escobar Gaviria. Algumas
reforçaram-se com pessoas ligadas ao narcotraficante, como um antigo
guarda-costas, uma sobrinha e o irmão, Roberto Escobar, contabilista do cartel,
que, por mais um punhado de pesos, se deixa fotografar com os turistas e lhes
conta como chegou a gastar 2000 dólares diários em elásticos para prender os
maços de notas.
“Estes itinerários foram criados pelos media
que elevaram Escobar a figura da literatura e do cinema”, diz Carlos Mario
Correa, jornalista e professor universitário que, como repórter de “El
Espectador”, foi perseguido pelo cartel. “Sobre figuras como Hitler ou Bin
Laden há um ódio universal porque os filmes os mostram como seres demoníacos.
Já a Escobar é sempre dado um lado humano, astuto e cómico”. Correa afirma que
séries como “Narcos” e “El Patrón del Mal”, recordista de audiências na
Colômbia, têm “mais ficção do que informação” e contribuem para a glorificação
do traficante, “pois as suas vítimas raramente aparecem e tanto os antagonistas
como as figuras secundárias são personagens débeis”.
O professor alerta que o fantasma de Escobar
pode levar meio século a desaparecer até porque ainda há muita gente que
acredita que o traficante não morreu. “Aqui crê-se que fez um acordo com as
autoridades para fugir. Escobar é o morto mais vivo deste país”.
Para Julio Casadiego, de 38 anos, dono da
agência Colombia Travel Operator, o problema não é a existência dos
itinerários, mas os seus conteúdos. “Não podemos censurar a história. Pablo
Escobar matou 5000 colombianos, foi um traficante e um terrorista e é assim que
o devemos mostrar ao mundo”, defende. Para tal, criou o pacote turístico “Do
not say that name” (“Não diga esse nome”), que incide no legado de violência deixado
em Medellín. A visita termina na Comuna 13, o bairro pobre que Escobar disputou
com a guerrilha marxista das FARC, abrindo caminho ao aparecimento do
paramilitarismo ultradireitista e, já em 2002, à ‘Operação Orión’, uma das
maiores intervenções militares urbanas, que vitimou mais de 200 pessoas.
“Sofremos muito com o que ele semeou”, desabafa Casadiego. No entanto, Medellín
fez uma recuperação fantástica, tendo sido recentemente considerada a cidade
mais inovadora do mundo. Nos morros da Comuna 13 apareceram escadas rolantes
para aproximar os moradores discriminados do centro da cidade. “Aqui os jovens
já não disparam balas, só sprays para os graffiti”.
APAGAR AS MARCAS
A 174 km da capital da província de Antioquia
fica a antiga sala de visitas do poder de Escobar: a Fazenda Nápoles. Nos anos
80, o mundo ficou boquiaberto ao saber da existência desta propriedade de 20
km2 com praça de touros, 18 lagos artificiais, aeroporto, réplicas de
dinossauros e animais exóticos, como hipopótamos e crocodilos. O terreno foi
nacionalizado e é hoje um gigantesco parque de diversões — uma mistura de
Badoca Park com Aqualand. Do desenho original restam pouco mais do que os
lagos, a arena, o aeródromo, meia dúzia de animais que não foram roubados e o
famoso pórtico de entrada, encimado pela primeira avioneta que Escobar usou
para levar cocaína para Miami. “Os turistas colombianos vêm pelas diversões mas
os estrangeiros vêm por causa de Escobar”, diz Dario Perea, que conduz um
tuc-tuc no parque. “O Governo está a tentar apagar todas as marcas de Escobar e
tornar a fazenda somente um parque de diversões”.
As recordações de Dario são muito diferentes;
em criança, vinha aqui todos os domingos e chegou a ser recebido à porta pela
família Escobar. “Criou 500 empregos e pagava melhor do que os outros. Ninguém
desconfiava que traficava coca, pensávamos que era dinheiro do gado. No Natal,
distribuía prendas às crianças. Bolas, relógios, tudo do bom e do melhor.
Quando morreu, deixei de ter Pai Natal”.
NEM OS COLOMBIANOS NEM OS ESTRANGEIROS FICAM
INDIFERENTES
Não há quem esteja mais grato ao traficante do
que os moradores do Bairro Pablo Escobar. Em 1984, o antioqueño ofereceu 441
casas e centenas de lotes às famílias que residiam na lixeira municipal. Hoje,
mais de 16 mil moradores veneram a sua memória: há fotografias, altares e
comemorações na data do seu aniversário. À entrada, o desenho da sua cara com a
irónica legenda: “Aqui respira-se paz”. Os turistas chegam diariamente. A todos
os que o abordam, Ivan Hernández, um sexagenário com chapéu de cowboy, repete a
mensagem: “Os paisas [habitantes de Antioquia] prezam muito a gratidão. Não
viramos a cara a quem nos deu casa, mesmo que tenha sido um bandido”. Um dia, conta, quando estava a beber
aguardente num café, viu um homem muito triste e foi perguntar-lhe o que se
passava. “Escobar destruiu-me a empresa com uma bomba. Se pudesse, matava-o 50
vezes”, respondeu-lhe, angustiado. Ivan disse-lhe que o percebia, mas que esse
mesmo homem o tinha tirado do lixo e oferecido um lar. Acabaram abraçados,
unidos na dor e na gratidão por um terrorista a que nem os colombianos nem os
turistas ficam indiferentes (Expresso, reportagem do jornalista TIAGO CARRASCO)
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