segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Jornalismo: "Você tem de deixar esta cidade"

Numa noite de maio, o jornalista brasileiro Evany José Metzker estava a jantar com um amigo num restaurante em Medina, no estado de Minas Gerais, no Brasil. Contou-lhe que ia publicar em breve uma história bombástica sobre a cidade de Padre Paraíso, mas não quis adiantar mais detalhes. Foi encontrado morto cinco dias depois - estava nu do tronco para baixo, com as mãos atadas atrás das costas. Comité brasileiro para a Proteção dos Jornalistas alerta para o aumento do número de assassinatos de profissionais da área como retaliação pelo trabalho que desenvolvem. Na noite do dia 13 de maio deste ano, o jornalista brasileiro Evany José Metzker, de 67 anos, estava a jantar com um amigo, Valseque Bomfim, num restaurante localizado na pacata cidade de Medina (Minas Gerais, Brasil). Sentados numa mesa logo à entrada, comiam frango assado e partilhavam uma cerveja. A certa altura, Evany disse ao amigo que tinha conseguido uma história bombástica sobre Padre Paraíso, uma cidade de 18 mil habitantes a cerca de 100 quilómetros de Medina. Deu a entender que ela seria publicada em breve, mas não adiantou mais detalhes.
Quando acabaram de jantar, Valseque acompanhou Evany à pousada onde este estava hospedado, e os dois ficaram ali à conversa durante cerca de 10 minutos. Evany esperou que o amigo fosse embora. Depois, também ele abandonou a pousada, deixando as luzes e a ventoinha ligadas no quarto.
Evany vivia com a sua mulher, Ilma Chaves Silva Bordes (51 anos), em Medina, uma cidade pobre localizada no vale do Jequitinhonha. Trabalhava como jornalista e escrevia sobretudo sobre assuntos locais, tais como estradas em más condições e serviços de saúde insuficientes. Publicava os artigos no seu blogue - A Águia do Vale - e ganhava dinheiro com a publicidade que conseguia angariar.
A sua mulher, professora numa escola primária, conta que ele passava os dias à procura de histórias e as noites a escrevê-las. Era o único jornalista da cidade. No último ano, porém, começou a interessar-se por outros assuntos e a viajar mais, incluindo para cidades como Padre Paraíso. Controlada por gangues ligados ao tráfico de droga - conhecidos por estarem dispostos a matar a troco de quase nada - e com uma das maiores taxas de homicídios do mundo, Padre Paraíso fora a cidade escolhida por Evany para viver nos últimos meses. Chegara no dia 12 de fevereiro e estava instalado numa pousada. Trabalhava sozinho e às vezes encontrava-se com Valseque Bomfim, também ele bloguer. Eram os únicos jornalistas da cidade.
Quando Evany saiu da pousada naquele dia, despediu-se da rececionista e disse que voltaria em breve. Talvez por isso tenha deixado a ventoinha e as luzes ligadas no quarto. Cinco dias depois, uma parte do seu corpo foi encontrada por agricultores num terreno abandonado a 20 quilómetros de Padre Paraíso. Estava nu do tronco para baixo, com as mãos atadas atrás das costas. A outra parte, a cabeça, encontrava-se a 100 metros dali.
Emerson Moraes, um detetive da polícia que tem estado a investigar o incidente, e que falou à "Al Jazeera America", acredita que Evany foi raptado por pelo menos duas pessoas e assassinado nesse mesmo dia. Ainda não há provas de que os atacantes tenham querido silenciar o jornalista brasileiro, mas há um elemento que não será, certamente, excluído da investigação: várias semanas depois de ter chegado a Padre Paraíso, Evany foi ameaçado. "Você tem de deixar esta cidade", dissera-lhe a voz do outro do telefone.
São assassinados cada vez mais jornalistas no Brasil. Um relatório do Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) revela que pelo menos 17 jornalistas foram assassinados desde 2011 como retaliação pelo seu trabalho. Foi o caso de Marcos de Barros Leopoldo Guerra, um bloguer que foi morto a tiro quando se encontrava em casa, em Ubatuba, perto de São Paulo. E foi o caso do músico e jornalista de rádio Djalma Santos da Conceição, que estava num bar, na cidade de Governador Mangabeira, no estado da Baía, quando foi raptado por um homem que se apresentava encapuçado. Na manhã do dia seguinte, o seu corpo foi encontrado e, ao lado dele, estavam 25 invólucros de bala. O seu olho direito tinha sido arrancado e a língua cortada (Expresso, texto da jornalista Helena Bento)

Sem comentários:

Enviar um comentário