“A relação com
Cavaco Silva foi-se definhando com o tempo”. A frase de Fernando Lima no livro
“Na sombra da Presidência”, que relata os dez anos que trabalhou em Belém, é
elucidativa sobre a forma tempestuosa como terminou a relação entre o
ex-Presidente e um dos seus homens de confiança durante mais de vinte anos. Ao ponto de, conta o assessor, Cavaco Silva ter
passado por ele e ter fingido que não o conhecia. “Verdadeiramente chocante,
para mim e para a minha mulher, foi quando Cavaco Silva e mulher passaram por
nós, no fim do almoço do Dia de Portugal em Faro em 2010, e fizeram de conta
que não nos conheciam”. O episódio é relatado logo no início do livro e
Fernando Lima confessa que ficou estupefacto com a atitude do então Presidente
da República. “Não queríamos acreditar no que nos estava a acontecer (...) Foi
um momento que nos encheu de tristeza”. A relação entre Cavaco e o seu assessor começou a
degradar-se por causa do chamado caso das escutas. Fernando Lima foi afastado
do cargo de assessor de imprensa depois de ter sido tornado público que esteve
na origem da notícia que dava conta de que Belém suspeitava estar a ser
vigiada. “O Presidente chamou-me ao seu gabinete para me transmitir que teria
de abandonar aquela assessoria. Deixara de ter condições para continuar no
lugar e ser-me-iam destinadas outras funções no âmbito da Casa Civil”, revela
Fernando Lima. O assessor diz ter tido consciência de que se tornara num “alvo
incómodo para Belém”, mas sair pelo seu próprio pé “era assumir uma culpa que,
em consciência, não sentia, nem poderia sentir”.
No livro, que a partir desta semana estará à venda,
Fernando Lima conta que foi obrigado a mudar de gabinete e só havia espaço
disponível no sótão. “Mudei-me para outra ala, onde havia um gabinete
disponível. Situava-se num sótão”, conta. O assessor chegou a mostrar
disponibilidade para deixar Belém e faz questão de esclarecer o que o levou a
continuar. “Porque me mantive em Belém? Mesmo que tivesse de fazer o caminho
das pedras, como o fiz, era ali que teria de
limpar a minha cara”. No fim do livro, o ex-jornalista volta a
justificar a sua continuidade em Belém com o risco de “uma saída antecipada dar
origem a um novo caso”.
A imagem de Cavaco Lima, que após a polémica foi
promovido a assessor do chefe da Casa Civil Nunes Liberato, fala também, ao
longo das 425 páginas do livro, sobre a degradação da imagem de Cavaco Silva. O
assessor do Presidente confessa que não foi o único em Belém a assistir com
“grande frustração à desconstrução da figura de Cavaco Silva sem que,
aparentemente, nada fosse feito no círculo que lhe era próximo para travar a
degradação da sua imagem”. O assessor
termina o livro sobre os dez anos que passou em Belém com a garantia de que
teria “gostado que as coisas tivessem corrido de outra forma. Talvez, para
outros, também as coisas pudessem ter corrido de outra forma” (Jornal I)
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