Assassinou 300
pessoas e planeou a matança de mais de 3000. Jhon Jairo Velásquez, conhecido
por “Popeye”, foi chefe dos sicários de Pablo Escobar e o revólver mais temido
do cartel de Medellín. Depois de 23 anos de prisão, conta ao Expresso os
segredos do temível traficante colombiano - figura central de “Narcos”, uma das
séries televisivas do momento
Às 9h30m, “Popeye”
avisa por telefone que já está no ponto de encontro: a zona de restauração do
Centro Comercial Oviedo, um lugar frequentado pela classe alta de Medellín.
Está meia hora adiantado. Nada de invulgar para quem a disciplina se tornou
condição de sobrevivência. “Popeye” já foi baleado sete vezes e escapou a uma
mão cheia de atentados na prisão. Há quem diga que é imortal: é o único
sobrevivente do pelotão de assassinos do cartel de Medellín, comandados por
Pablo Escobar.
Habituou-se a
escolher com critério todos os locais para dormir, comer ou encontrar-se com
jornalistas. Como diria pouco depois, ali, no centro comercial, muito
dificilmente o matariam, pois teriam de passar pela segurança do edifício e
pelos agentes à paisana que lhe seguem os passos. Na rua, está mais
desprotegido; passa uma mota, um atirador dispara duas balas certeiras e adeus
imortalidade. Inimigos não lhe faltam — sob as ordens de Escobar, Jhon Jairo
Velásquez assassinou quase 300 pessoas, incluindo polícias, juízes, jornalistas
e políticos, e conjurou a morte de 3000, entre os quais o candidato
presidencial Luis Carlos Galán e as 110 vítimas do atentado ao voo da Avianca,
em 1989. Foi, nas suas palavras, um “guerreiro de rua numa guerra contra o
Estado”. Também gosta que lhe chamem “Anjo da Morte”.
Entregou-se em
finais de 1991, quando a derrota parecia inevitável, rompendo assim uma década
de lealdade inabalável para com o seu patrón, Pablo Escobar, em nome do qual
matou a sua própria mulher e o melhor amigo. “Até mataria a minha mãe, se ele
me tivesse mandado fazê-lo”, revelaria, durante a entrevista. Escobar morreria
às mãos dos seus inimigos em 1993, “Popeye” ainda cá anda a contar a história.
Atravessou 23 anos nas piores prisões colombianas, participando em mais guerras
entre mafiosos, cartéis, paramilitares de direita e guerrilheiros comunistas
das FARC. Saiu em liberdade condicional em agosto de 2014, com apenas 60% da
pena cumprida, por bom comportamento, garantia de reinserção social e
colaboração com a justiça na investigação de vários casos relacionados com
narcotráfico e redes mafiosas. “Tenho 80% de probabilidades de morrer nas
próximas semanas”, afirmou, quando deixou a prisão. Enganou-se. Entretanto, até
já publicou um livro: “Sobreviviendo a Pablo Escobar”.
Às 10h de 24 de
novembro de 2015, o assassino está sentado só à mesa de uma hamburgueria ainda
fechada, cabeleira grisalha e roupagem humilde: uma t-shirt azul larga e calças
de ganga. Podia ser um pai de família à espera da abertura das lojas para
comprar uma prenda aos filhos mas é um dos homicidas mais cadastrados do mundo.
Aos 53 anos, as várias cirurgias plásticas a que se submeteu não lhe alteraram
os traços característicos: o olhar frio e desalmado, as mandíbulas proeminentes
e as pernas significativamente maiores do que o tronco. Não espera pela
primeira pergunta. As palavras saem-lhe freneticamente, eloquentes, rápidas
como o gatilho que tantas vezes premiu. É interrompido por admiradores que lhe
pedem autógrafos e abraços para a fotografia. Surge outro mafioso reabilitado,
companheiro de presídio. A todos atende com gentileza. No fim, deixa-se
fotografar de joelhos no altar da Virgem Rosa Mística, a quem os sicários pedem
o sucesso das execuções. “Popeye” é hoje um homem entre a reinserção e a
reincidência. “Um mafioso pode tornar-se um ex-mafioso. Mas não há
ex-assassinos. A partir do momento que matas o primeiro, és assassino toda a
vida”, diz. E consegue dormir tranquilo depois de ter matado tanta gente? “É
que a minha alma também está morta.”
(“Popeye” começa a
falar antes de lhe serem colocadas perguntas) Estão a ver este centro
comercial? Foi feito com dinheiro do tráfico da cocaína. Aqui na Colômbia somos
todos bandidos e os piores estão no Governo. Com um Estado destes, é uma honra
ser bandido. Eu quero ter uma vida normal mas a reinserção não existe, Vou ao
banco com 7 milhões de pesos [2012 euros], o dinheiro que ganhei das vendas do
meu livro, e não me abrem uma conta por causa do meu cadastro. Como me posso
integrar assim? Mas se me meter outra vez no tráfico já consigo 50 milhões,
compro 100 pistolas e corrompo a polícia. Eu sou uma testemunha-chave e quero
ajudar. Mas se não me motivarem, do dia para a noite junto 30 bandidos a
trabalhar para mim. Já viram o que acontecia se o “Popeye” fosse para a
montanha com 30 homens armados? A bolsa de Bogotá caía logo 1%.
Vejo que a
integração está a ser complicada...
Não, eu estou a ter
muito prazer nas coisas simples da vida: ler, ver televisão, levantar-me e ir
ao frigorífico buscar um ananás bem frio, passear tranquilo sem medo da
polícia. Mas há coisas difíceis... eu não sei o que é o Natal, não sei o que é
um aniversário, no outro dia levaram-me a um baile de máscaras e senti-me mal.
Nós, bandidos, não damos para essas paneleirices. Temos gosto pelo risco e pela
adrenalina. E é disso que sinto falta. Mas sei que se quiser continuar a comer
com tranquilidade o meu ananás gelado, tenho de pôr isso de lado.
Como é que
conseguiu manter-se vivo todos estes anos?
Já me acertaram
com um tiro aqui no coração e não me mataram. Sinto-me imortal. Sou o único
sobrevivente dos sicários de Escobar, a memória histórica do cartel de
Medellín. Acho que o que me manteve vivo foi a disciplina. Não conheço um
bandido que não saiba matar. Matar é fácil. Também não há bandido que não seja
corajoso. Mas há poucos bandidos disciplinados. Por isso é que o patrón [Pablo
Escobar] se manteve 16 anos no poder. Hoje, um bandido só dura quatro ou cinco
anos, por causa das tecnologias, mas também pela falta de disciplina. Eu não
cometo imprudências, sou leal, honesto e honrado. É a única maneira de
sobreviver.
Como entrou no
mundo do crime?
Aos 12 anos, já
era o maior traficante de marijuana do meu bairro. Metia a erva nos tubos da
bicicleta e fazia a distribuição por Itagüi, onde cresci. Mas não era por
dinheiro, porque eu sou de classe média alta. Era pela adrenalina. Sempre
roubei chocolates nos supermercados e nunca me apanharam. Tornei-me o chefe do
cartel das guloseimas lá do sítio [risos].
Até que surgiu
Pablo Escobar e os chocolates transformaram-se em pó...
Isso foi muito
depois. Primeiro, passei pela Marinha. Tudo na vida tem um propósito e eu fui à
Marinha buscar a minha alcunha — “Popeye”. Diziam que era parecido com o do
desenho animado. Fui para lá porque tinha visto na televisão uns barcos de
guerra e fiquei fascinado. Quando lá cheguei, só vi barcos velhos. E eu nunca
gostei de pobreza. Fui-me logo embora. Depois passei pela polícia...
Pela polícia?!
Sim, porque queria
armas. Então, ingressei no curso de oficiais da Polícia e estava a correr-me
bem. Um dia chegou um alferes e disse-me: “Jairo, continua o teu curso que vais
sair daqui subtenente e um narcotraficante vai oferecer-te um carro bonito”. Eu
desmoralizei. Ele não me deu uma estalada, não me tratou mal, mas as palavras
têm muita força. Mandei o caderno para o chão e desisti. E continuei a
trabalhar com a máfia, para um chefe conhecido como “Pinina”. A minha função
era ficar à espera que os sicários matassem um gajo, recolher as pistolas na
mochila e ir guardá-las à escola. Eu tinha esconderijos de armas no recreio.
Quando é que
Escobar apareceu na sua vida?
Foi por acaso.
Estava numa esquina de Medellín com dois amigos — um, filho de um médico, e o
outro filho de um empresário — quando chegou um tipo a oferecer um trabalho
para escoltar uma rapariga ao bairro de El Poblado, uma zona rica de Bogotá. Os
outros dois recusaram, eu aceitei. Andava armado e tinha experiência. Acontece
que essa menina era amante de Pablo Escobar Gaviria. Ela era linda, uma boneca,
mas eu sempre fui muito respeitador, nunca me meti com ela e limitava-me a
cumprir com zelo o meu papel de motorista. Um dia, ela discutiu com o patrón e
foi obrigada a sair do país. Como sabia onde Escobar guardava o dinheiro e as
armas, peguei no carro do meu pai e fui escavar esses esconderijos. Ele
apanhou-me em flagrante. Eu disse-lhe que sabia onde tinha escondido tudo e
que, portanto, só me podia matar ou dar-me trabalho. Pablo riu-se e pediu-me
para acompanhá-lo.
Qual foi o seu
primeiro serviço?
Escrever à
máquina. Quando era puto, ajudei uma velhota a carregar uns sacos para casa e,
em troca, ela ensinou-me a escrever à máquina com os dez dedos. Quando entrei
para o cartel, a secretária do patrón adoeceu e ele ficou sem quem lhe
escrevesse as cartas. Disse-lhe que sabia bater bem e tornei-me necessário para
ele. Até que veio o primeiro homicídio e eu aceitei, para ganhar bom dinheiro.
Matei um delator. É que ninguém dá nada a ninguém, seja o Pablo Escobar ou o
Bill Gates. Se o Bill Gates passar aqui, não nos vai atirar um milhão de
dólares. Mas se lhe lavar o carro, se lhe fizer uns favores, já ganho uns
trocos. E então comecei a matar.
Não tremeu no
primeiro homicídio?
Não, eu já tinha a
escola toda porque tinha trabalhado como segurança e na máfia. Já tinha visto
muitos mortos e o sangue não me fazia impressão. Sempre tive estômago para a
guerra.
Qual foi a sua
primeira impressão de Escobar?
Era uma figura
carismática. Quando você via Pablo Escobar ficava petrificado. Não porque
tivesse olhos azuis, 1,80 m ou fosse musculado. Não, até era gordito, apesar de
estar em boa forma porque jogava muito futebol. Com ele, os jogos de futebol
podiam durar até seis horas, porque só terminavam quando ganhasse. E nas
corridas de automóveis contratava pessoal para pôr pregos na estrada e tramar
os adversários. Ele não concebia a derrota. Mas o que lhe dava o carisma era o
cavalheirismo, a gentileza e a educação com que tratava as pessoas.
É verdade que
distribuía dinheiro pelos mais pobres?
Ele deu mais de
500 casas a uma comunidade que vivia na lixeira, distribuía prendas de Natal
pelas crianças pobres, construiu campos de futebol e estradas. Mas não andava a
oferecer avionetas para os miúdos matarem por ele. As pessoas procuravam-no e
pediam-lhe trabalho. É que quando o Estado não intervém nos bairros de lata, a
máfia substitui-o. Chegava aos bairros com carinho, entregava as armas e as
motos e os miúdos queriam segui-lo. Mas Escobar soube preservar a humildade e a
simplicidade.
Não se pode dizer
que ter um zoo privado e queimar milhões de dólares para aquecer a filha seja
de uma pessoa humilde...
Ele era obcecado
pela família e o zoo da Hacienda Napoles era para alegrar os filhos. No
entanto, ninguém o via com diamantes nem correntes de ouro, não batia às
mulheres para irem para a cama com ele. Era um cavalheiro. Claro que, quando as
queria, dava-lhes uns dois milhões, um bom Mercedes ou BMW, uma garrafinha de
Dom Perignon e uma caixa de chocolates estrangeiros e, pronto, estavam no papo.
Eu também adotei essa estratégia. Mas o patrón entrava nos bairros muito
discreto, de camisinha e ténis, só com o seu relógio de ouro Cartier. Se fosse
para comer frango, comia frango, e se fosse preciso ainda arrancava um pedaço
com a mão e passava-o ao amigo. Era um bacano. E por isso todos queriam
trabalhar com ele. Agora isso de queimar o dinheiro é outra história...
Porquê?
Porque não
acredito que o patrón o fizesse. O filho dele contou essa história mas eu não
acredito. É que queimar dinheiro dá azar, não se faz. Se tiver 10 milhões, pode
guardá-lo, dar a alguém ou pagar a um sicário para matar um inimigo. Mas o
dinheiro não se queima!
Escobar consumia
cocaína ou só traficava?
Nada. Aliás, o
único chefe que era cocainómano era o Carlos Lehder, tanto que matou um dos
nossos rapazes e acabámos por entregá-lo às autoridades para ser extraditado
para os Estados Unidos. O patrón dizia que neste negócio não se podia consumir,
que isso era para os “gringos” [americanos]. Ele bebia meia cervejinha Heineken
e fumava um charro de marijuana, e nunca diante dos filhos. Nunca foi desses de
se embebedar, fazer apostas excêntricas, discutir com os amigos e acabar aos
tiros.
A guerra rebentou
quando Escobar entrou na política. Porque é que ele quis entrar no Senado e não
se deixou ficar só pelo tráfico?
Escobar tinha
pavor à extradição e andava à procura da imunidade parlamentar. Por isso, a
partir de 1981, meteu-se no neoliberalismo e acabou por chegar ao Congresso.
Daí, queria passar ao Senado e, então, já não o podiam prender. Mas o
Presidente Belisario Betancur Cuartas, com quem o patrón tinha um acordo,
traiu-o e aceitou Rodrigo Lara como ministro da Justiça. Lara começou a investigar
o passado de Escobar e conseguiu expulsá-lo do Parlamento. Alberto Santofimio
Botero, outro político, agarrou no patrón e tentou relançá-lo. Mas já era
demasiado tarde: um homem que andava a dar casas e dinheiro às mãos cheias era
perigoso para o poder instituído. Foi então que Escobar assassinou Rodrigo Lara
e teve de fugir para o Panamá e depois para a Nicarágua. Quando regressou, em
1984, começou a guerra contra o Estado, depois de uma conferência de 80
narcotraficantes que escolheram Escobar como líder de um movimento contra a
extradição. Mas eu costumo dizer uma coisa muito polémica: Escobar também tinha
patrón.
Quem?
Jorge Luis Vásquez
Ochoa [outro líder do cartel de Medellín]. Foi ele que introduziu Pablo ao
narcotráfico, porque o patrón era apenas ladrão de bancos, sicário e
sequestrador. E foi Ochoa que foi a Espanha buscar um bombista da ETA para
começar a rebentar com a Colômbia.
Quantos homens
teve a trabalhar para si?
Eram 180. Mas o
cartel de Medellín tinha 3000. Todos assassinos e fortemente armados. Quando se
declara guerra ao Estado, tem de se ter um exército forte. Matámos mais de 540
polícias e ferimos 800. Nenhuma organização criminal civil no mundo infligiu
tantos estragos à polícia.
Como o
conseguiram?
Disseminámos as
armas pelas comunas e pagámos por cada polícia morto; um polícia raso valia
dois milhões de pesos, mais um milhão se lhe roubassem a pistola, três milhões
por cada cabo, quatro milhões por sargento, um tenente valia cinco milhões, um
capitão chegava aos 10, 20 milhões pelos majores, 50 milhões por um
tenente-coronel, 100 milhões por coronel e 1000 milhões por um general.
Chegámos ao coronel Valdemar Franklin Quintero, comandante da Polícia de
Antioquia. E, nessa altura, era muito dinheiro: a lotaria nacional dava 80
milhões e uma boa casa em Medellín não custava mais de 15.
Com essa tabela,
deve ter ganho muito dinheiro?
Sim, mas para
sobreviver a 23 anos de prisão tive de pagar a muita gente. Gastei quase tudo.
No entanto, disse
na prisão que sabia onde Escobar tinha guardado as armas. Nos dias seguintes à
sua libertação, um grupo de homens armados andou à procura do esconderijo de
Escobar perto da casa em que o mataram. Já foi buscar esse “tesouro”?
Não, e não tive
nada a ver com essa história. Eu sei onde está essa caleta [esconderijo], mas
só a irei buscar no dia em que perceber que o Estado não quer a minha
reinserção. Agora vivo com dinheiro honesto, que é muito mais saboroso que o
sujo.
Qual foi a morte
que mais lhe custou executar?
A da minha própria
mulher. Que tinha sido mulher do patrón: Wendy Chavarriaga Gil. Era um colosso
— tinha uma cara, umas pernas, um rabo, umas mamas... ao ponto de ter sido a
amante oficial de Escobar. Mas o patrón respeitava muito a família e proibiu
todas as suas mulheres de engravidar. Ele dizia que tinha conquistado a sua
esposa, Maria Victoria, com chocolates e que não a podia desiludir com mulheres
que se deitavam com ele por causa dos helicópteros, dos aviões e dos Mercedes.
Mas Wendy engravidou e o patrón mandou um veterinário e quatro rapazes para a
capturarem e fazerem-lhe o aborto à força. Desde então, ela ficou com um ódio
visceral a Escobar. Mais tarde, encontrei-a na rua e acordei na cama dela.
Apaixonei-me loucamente. É que eu era sicário e ela era mulher de traficante.
E foi por ciúmes
que Escobar lhe pediu que a matasse?
Não. Eu dava-me
muito bem com o patrón e contei-lhe. Ele disse-me para ter cuidado, que me
tinha metido numa coisa muito delicada. Como estávamos já em plena guerra, o
patrón começou a investigar e descobriu que a Wendy andava a conversar com os
investigadores que andavam atrás dele. Mostrou-me a gravação e eu disse-lhe que
sim, que tinha razão, que eu era um homem da máfia, que lhe era leal e que ia
tratar do assunto. Nessa altura, já ele tinha outro sicário pronto para me
matar caso eu a defendesse. Então, combinei com ela num restaurante e enviei
cinco sicários para assassiná-la. Liguei-lhe de uma cabina com vista para o
restaurante, ela atendeu junto da porta principal e os assassinos despejaram
uma rajada de tiros sobre ela. Pelo telefone, só ouvi: “Wendy? Si... pa, pa,
pa, pa, pa.” Esperei que os sicários saíssem e passei pela porta do restaurante
para vê-la morta, numa poça de sangue. Nesse momento, senti ódio por ela me ter
traído, amor, felicidade por ter servido o patrón, tristeza por perdê-la. Eu
amava-a com todas as forças da minha alma. E isso é o melhor. Matá-la amando-a.
É uma sensação que nenhuma droga do mundo consegue dar. Só um homem da guerra é
que consegue aguentar uma estocada destas.
Na guerra, um
homem torna-se mais forte?
É como uma bola de
neve, uma avalanche, cada dia que passa nos tornamos mais fortes. Até que chega
um dia em que esquartejamos uma pessoa e vamos almoçar tranquilos.
Nunca lhe passou
pela cabeça dizer que não ao seu patrão?
Não, nunca. Eu não
era seu sócio, era seu empregado. Eu respondia-lhe com: “Com certeza, senhor.
Claro que sim, meu senhor.” Teria matado a minha própria mãe se ele me tivesse
pedido para fazê-lo.
E se Escobar
ressuscitasse voltaria a matar por ele?
Se o Estado me
continuasse a perseguir, acho que o faria. Porque não? Pelo menos, lutaria por
uma bandeira.
Como era o
ambiente na Catedral, a prisão que Escobar construiu para o seu próprio
cativeiro?
Isso era uma
guerra. Tínhamos uma discoteca, entravam putas, controlávamos a máfia e
matávamos gente lá dentro, mesmo com um cordão do exército em redor da prisão.
O patrón instalou um cabo aéreo com cinco quilómetros que usava para comunicar
com a máfia, com os sicários e com quem queria. Era muito inteligente.
Os esquemas saíam
todos da cabeça dele?
Sim, todos. O
sistema de correio era genial. Íamos com um envelope para um centro comercial e
a carta era passada de mão em mão, umas 12 vezes. Chegava a mim, que ia
disfarçado de mulher na minha Renault 4L até casa do “Arete”, que ficava no
centro e controlava todas as comunicações do cartel. Se ele tivesse uma toalha
amarela estendida na varanda, podia subir. Se não estivesse a toalha, a
operação abortava.
Quando esteve mais
perto de morrer?
Numa operação
arriscada em Cartagena, em que me atingiram numa artéria aqui no braço. Perdi
os sentidos e ia morrer ali se o patrón não me tivesse resgatado de
helicóptero, arriscando meios e vidas. A seguir à família, eram os sicários que
Escobar mais amava. Chegou a matar narcotraficantes para proteger os seus
assassinos. Quando estava em casa em convalescença, foi visitar-me. Aí descobri
que não tinha um patrão, mas um amigo.
Como analisa o
mundo do crime atualmente? É muito diferente do que era no seu tempo?
Dizem que o
narcotráfico acabou com a morte de Escobar, mas foi aí que começou. Noutros
moldes, claro. Hoje há mais traficantes e ainda mais ricos que Escobar. E
continua a haver muita máfia na Colômbia. Esta sociedade está doente de tanta
violência, está cheia de sangue. Medellín, por exemplo, está construída sobre
um cemitério. Quando passa de carro, lembre-se que há mortos debaixo das
estradas, dos passeios, nos jardins das casas, por todo o lado. Cartéis, bandos
criminosos, EPL, ELN, FARC, paramiliares, M-19... já viu quantos bandidos há
neste país, quantas mortes houve? No geral, acho que o submundo está mais
covarde. Veja o “El Chapo” Guzmán. Quantos políticos e polícias matou? Quase
nada. E nem falo dos jiadistas, que matam franceses que estão a dançar. Isso é
muito fácil e covarde. E, digo-lhes, senhores jiadistas, se querem guerra
contra o exército francês, matem o Presidente Hollande, matem uma alta patente
do exército e, se quiserem ser bandidos de verdade, enfrentem um Estado
poderoso, como nós fizemos.
Mas vocês também
mataram inocentes...
Sim, matámos
muitos. E foi a partir do momento que começámos a matar civis que encurralámos
o Estado. No outro dia, encontrei um homem a quem matámos o pai, a mãe e o
irmão. E ele dizia-me: “‘Popeye’, porque o fizeram? Eles eram tão bons.” Eu
disse-lhe que os matámos exatamente por isso, por serem bons. Imagine o que
pensa um político ou um polícia quando morre gente comum, com uma profissão
digna: “Se eles fazem isto aos bons, imaginem o que nos vão fazer a nós.” Numa
guerra, 99% das vítimas são inocentes. Se não fosse assim, qualquer pessoa se
alistava numa milícia e ia matar bandidos.
O que pensa fazer
daqui em diante?
Lançar o meu
filme, a minha série e o meu videojogo. Eu sou o único sicário que sobreviveu o
tempo suficiente para entrar no seu próprio filme. E sou mais famoso no México
que o “Chapo”. Também quero escrever outro livro, desta feita um romance. Vou
chamar-lhe “Parque dos Malditos” e vou falar sobre todos os crimes que
ocorreram numa prisão que vai agora ser demolida e transformada num parque.
Nesse romance, tenciono revelar muitos segredos do submundo. Vai ser um manual
do crime. Se me quiserem parar, estou aberto a negociações: começo por 40
milhões de dólares.
Quando espera
morrer?
Não sei, pode ser
amanhã como posso morrer velho. Sigo em frente. Mas já sei o que vou escrever
no túmulo. Pablo Escobar queria uma lápide que dissesse: “Fui o que sempre quis
ser: um bandido.” A família não lhe cumpriu o desejo. Eu nunca roubei nada ao
patrón, mas vou levar-lhe esta ideia. No meu túmulo vai poder ler-se: “Fui o
que sempre quis ser: um bandido.” (Expresso)
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