Afastado da política ativa desde 2011 quando trocou a Assembleia da
República por um lugar de direção na Microsoft Portugal, Pedro Duarte aceitou,
pela segunda vez, um regresso ao combate e de novo com contrato a termo certo.
Depois de em 2013 ter dirigido a campanha derrotada de Luís Filipe Menezes à
Câmara do Porto, em 2016 foi incapaz de recusar o desafio lançado por Marcelo
Rebelo de Sousa para liderar a operação Belém do professor. "A campanha
foi toda ela muito especial, até porque o candidato era ele próprio especial. A
campanha, do ponto de vista mais estratégico, estava desde o primeiro minuto
desenhada na cabeça dele. Portanto, não foi preciso propriamente delinear estratégia,
no sentido de ser o manager ou o Mourinho. Com humildade tenho que reconhecer
que isto foi mérito do professor Marcelo", confessa recusando a alcunha
com que Cavaco Silva, em 2006, batizou Alexandre Relvas.
Sentados à mesa na Bica do Sapato, percorremos a ementa. Fixamo-nos nos
pratos do dia, lulas recheadas com migas de batata e corvina grelhada com
legumes regadas por dois copos de Fagote, um branco do Douro. Bem diferente de
alguns almoços de marmita protagonizados pelo candidato presidencial durante os
dias de estrada. Parte da tarefa de Pedro Duarte foi estancar a tentação
natural dos aparelhos de PSD e CDS se apoderarem de uma campanha que, desde o
início, estava desenhada para escapar à lógica partidária. "A nível das
direções dos partidos e das lideranças, foram inexcedíveis desde o primeiro
minuto, porque perceberam desde o início a lógica da candidatura. Mas, a título
de desabafo digo que se houve um caso ou outro de pessoas que não gostaram ou
que não compreenderam, a reação foi amuarem. E, portanto, como amuaram
desapareceram de cena, digamos assim, e não criaram qualquer entrave".
Na hora de fazer contas ao futuro e ao modo como Marcelo exercerá a
função presidencial, Pedro Duarte sublinha que, pela primeira vez, rompeu-se
com uma lógica velha de 40 anos em que os partidos sempre estiveram presentes
nas candidaturas a Belém. "Há uma perceção de que a sua liberdade é muito
maior, o que em política é muito importante. Não digo que ele não fosse livre
se tivesse tido a intervenção dos partidos. Pelo que lhe conheço até admito que
fosse, mas acho que é importante que também haja uma perceção da sua liberdade
que é muito maior, quer junto dos atores políticos quer junto da população, que
lhe confere uma autoridade e uma legitimidade muito maior para o exercício do
cargo. O professor Marcelo Rebelo de Sousa tem essa vantagem. Não deve nada a
ninguém em geral, e não deve nada em particular ao sistema partidário. E ele
disse, desde o primeiro minuto, que a forma como interpreta os poderes
presidenciais e a função presidencial, passa por ter a noção de que tem um
papel de árbitro, de consensoalizador, de agregador, de congregador, e de que
as convicções pessoais muitas vezes têm que ser colocadas num patamar distinto
daquilo que é o interesse nacional. Evidentemente que a matéria ideológica foi
muito desvalorizada na campanha, mas ainda bem".
Apesar do elogio aos estados maiores de PSD e CDS, Pedro Duarte
reconhece que Marcelo "não fez o discurso que os partidos estavam à
espera" e que o facto de o candidato ter parecido uma espécie de
"BFF" de António Costa pode ter sido motivo de desconforto nos
partidos que lhe recomendaram o voto. "Ele posicionou-se como melhor amigo
do primeiro-ministro ponto. Seja ele António Costa ou qualquer outro. Acho que
é isso que as pessoas esperam do Presidente da República, que faça tudo para
ser imparcial na relação com um governo que está em funções e que tem
legitimidade, independentemente de se gostar mais ou menos. Vivia-se, no plano
emocional, uma fase bastante complexa para o PSD. Quer se queira quer não, a
verdade é que o PSD tinha ganho as eleições, tinha a expetativa de governar, e
de um momento para o outro de forma absolutamente surpreendente isso não
aconteceu. E portanto diria que é humano que se esperasse uma reação mais
emocional que, felizmente, o Professor Marcelo nunca assumiu". Aproveito a
deixa para lhe perguntar se subscreve a tese da usurpação ou da ilegitimidade
do governo PS, brandida pelo seu partido nos dias que se seguiram às eleições e
à tomada de posse de António Costa. "Não subscrevo, não. Faço o meu juízo
de valor sobre a postura que foi assumida pelos atores na altura, e posso dizer
que jamais teria tido a atitude que teve o primeiro-ministro António Costa
porque não me revejo nela, mas não subscrevo nada essa tese. O governo é
totalmente legítimo", afirma sem hesitações.
Os pratos já estão na mesa há largos minutos, mas a conversa faz-nos
esquecer a comida que arrefece. "Podemos começar, certo?". Seguimos
pelos caminhos do PSD, no governo e na oposição. Pedro Duarte cita Marcelo para
defender que o partido deve assumir-se como "da esquerda da direita".
Gostou por isso de saber que o lema de Pedro Passos Coelho na recandidatura à
liderança do PSD é "social-democracia sempre", apesar de reconhecer
que, no governo, a matriz do partido acabou por ser desprezada e que isso
conduziu à perceção de que a coligação se encostou à direita. "Há de facto
essa perceção que resulta dos sinais que foram dados. E é aí que admito que
pode haver uma colagem à direita ou até o rótulo de liberalismo ou
neo-liberalismo. Houve uma quase exclusividade de preocupação com o equilíbrio
das contas públicas. Como se pôs a grande tónica aí dada a situação de
emergência que vivíamos, as matérias de financiamento da economia e
principalmente o financiamento do Estado, pareciam ser de facto as funções
fundamentais do Estado e da atividade política. E isso conduziu a uma ideia de
que as matérias sociais, as matérias estruturais, as matérias educativas e de
outra natureza tinham sido prejudicadas". E o desejo assumido de ir além
da troika? "A terminologia pode não ter sido a mais correta e pode ter
dado azo a más interpretações. Mas a sociedade portuguesa precisava de um
conjunto de transformações e a troika apontava nesse sentido. Acho é que não
podemos esgotar-nos aí. E há uma outra face da moeda que é fundamental
prosseguir, nomeadamente haver uma almofada social que permita que a coesão
social e territorial não se deteriore. E, sobretudo, que se olhe para os
problemas de futuro com uma visão um bocadinho menos curta". O movimento
do CDS para o centro pode criar problemas ao PSD? "Não defendo o recentrar
do PSD por razões eleitorais. Vejo algumas pessoas dizerem que agora porque o
PS foi para a esquerda temos uma oportunidade eleitoral e temos que aproveitar
e ocupar este espaço. Não consigo fazer essa leitura, não é por aí que vou. O
PSD deve voltar à matriz social-democrata porque é nisso em que eu acredito. E
desse ponto de vista é um bocadinho irrelevante se o CDS se move ou não".
Com os olhos no futuro próximo, Pedro Duarte acredita que Pedro Passos
Coelho, apesar de ter sido intérprete fiel do programa de ajustamento, tem
todas as condições para conduzir o partido "durante muitos anos e até de voltar
a ser primeiro-ministro". Mas para isso há que encontrar novas bandeiras e
uma nova agenda, mais atualizada, que vá ao encontro de "uma nova
social-democracia". "Vamos ter problemas brutais ao nível do
desemprego nos próximos anos se não fizermos nada para alterar a atual
circunstância. Estamos a formar pessoas, a criar lógicas orgânicas nas empresas
que têm que ver com um mundo que está ultrapassado. Por muito que a nossa
economia esteja a funcionar impecavelmente, que é algo que não temos no horizonte,
o desemprego vai continuar a aumentar. E não vejo ninguém a olhar para este
problema do desemprego a não ser com as chamadas políticas ativas de emprego e
outras coisas desse género que são no fundo remendos que não vão nada ao cerne
da questão. O PSD podia agarrar essas bandeiras. Aquilo que se pode chamar uma
nova social-democracia, com uma preocupação social forte. Mas não é irmos
buscar os livros e as teorias do século XX ou sequer de há 10 anos. Há números
que nos mostram que há milhares de empregos, por exemplo nas áreas das
tecnologias, que não são preenchidos. Há milhares de jovens que não arranjam
emprego porque não têm a formação adequada. E no nosso sistema educativo
devíamos olhar para isto e perceber que temos aqui uma oportunidade. Em vez disso,
continuamos a discutir se deve haver provas de aferição ou exame nacional, se é
no sétimo e no nono ou se é no oitavo e no décimo, e depois há o problema
sindical dos professores em cima da mesa, e ninguém discute e tem uma visão
para o país deste ponto de vista. Isto é, não se pensa o país a cinco anos
sequer e muito menos a 10". Critica o facto de o PSD ter sido incapaz de,
no governo, compatibilizar a lógica financista com outras dimensões,
designadamente as preocupações sociais que são obrigatórias. "Acredito que
a política faz sentido e não é só uma folha de Excel. É muito mais do que isso.
As folhas de Excel são muito importantes, são aliás da minha empresa e por isso
seria o último a dizer o contrário [risos]".
Sobre a relação que o PSD deve manter com o PS, Pedro Duarte não tem
dúvidas de que as portas devem estar sempre abertas para o diálogo. "Os
partidos devem defender as suas ideias e é bom que sejam diferentes e que haja
alternativas para que as pessoas possam optar nas eleições. Mas nos momentos e
nas opções fundamentais do país é preciso que tenham capacidade de dialogar e,
se possível, encontrar entendimentos. Espero que da parte de todos, e também do
PSD, haja o sentido de responsabilidade e sentido de Estado de colocar sempre o
interesse nacional acima de tudo o resto".
Já com os cafés em cima da mesa, Pedro Lomba, ex-secretário de Estado no
governo PSD-CDS, e Gonçalo Reis, presidente da RTP, abeiram-se da mesa para
cumprimentar Pedro Duarte e trocar dois dedos de conversa. O mesmo acontece com
Pedro do Ó Ramos, atual deputado do PSD e diretor da última campanha interna de
Passos Coelho no partido. É evidente que, mesmo estando afastado da política
ativa, Pedro Duarte continua a ser reconhecido. Afinal foi quase tudo: líder da
JSD, deputado e secretário de Estado no tempo de Santana Lopes. A Passos Coelho
critica ainda a polémica da sobretaxa de IRS que marcou a última campanha
eleitoral, mesmo defendendo que até houve "prudência" no modo como se
abordou a qestão. "Não podemos ser ingénuos e obviamente há uma leitura
política que vai para além da interpretação literal daquilo que foi dito. Desse
ponto de vista foi uma imprudência clara ter permitido que houvesse uma
perceção errada da parte das pessoas e de não se ter tido o cuidado de deixar
bem evidente o que estava realmente em causa". Culpa o presidente do
partido pelo facto de nos últimos 5 anos não ter havido qualquer debate
interno, e pelo facto de quem tem opiniões diferentes ser apontado como estando
a pôr em causa a liderança. "Essa questão não se coloca e o pior que podia
acontecer ao PSD era pôr-se a discutir nomes e rostos".
Já com a conta na mesa pergunto-lhe se tem saudades da política.
"Não tenho saudades nenhumas do exercício da atividade política
profissional. Não tenho saudades de ser deputado. Nada!" Garante por isso
que "está totalmente fora do meu horizonte" voltar. Reduz a sua
disponibilidade a contribuir com ideias se as quiserem ouvir. E se Marcelo o convidar
para Belém? "Nem pensar" (DN-Lisboa)
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