Há
duas semanas, vítimas de ameaças, elas escreveram “Game Over” na sua página de
Facebook. Mas as jogadoras de futebol de salão de Locri, no sul italiano, feudo
da ‘Ndrangheta, a mafia da Calábria, retomaram a competição este domingo,
apoiadas por toda a Itália. “Vamos
jogar!”, gritaram as raparigas enquanto entravam em campo, com o seu
equipamento grená e branco, aplaudidas por uma claque entusiástica, onde estava
o presidente da federação italiana de futebol, Carlo Tavecchio.
E
aconteceu uma coisa ainda mais rara. Este jogo da primeira divisão desta
modalidade pouco popular em Itália foi transmitido em directo por um canal público
de televisão. Depois de terem estado a perder por 0-2 contra a Lazio, uma
equipa imbatível nesta época, as calabresas conseguiram terminar o jogo com uma
derrota digna de 2-3. Para o clube, tratou-se de uma vitória moral, já que
antes do Natal parecia estar à beira do abismo, quando o seu presidente
Ferdinando Armeni se demitiu depois de ter recebido uma série de ameaças contra
a equipa, de lhe terem furado os pneus do carro e de ter encontrado uma ameaça
na cadeira da sua filha de três anos, no interior do automóvel.
“Ameaçarem
crianças significa que não estão a respeitar as regras. E eu não sei contra
quem estou a jogar”, disse Armeni à AFP. “Talvez seja um boss importante ou
então um pequeno criminoso, mas em todo o caso, uma ameaça é uma ameaça”. Armeni
desmentiu veementemente as informações da imprensa que diziam que as finanças
do clube, agravadas pela transferência de jogadoras vindas de Espanha, seriam a
verdadeira razão da sua demissão. “As contas estão em ordem, o Sporting Locri
não tem dívidas.” Em plena quadra natalícia, as dificuldades do clube chegaram
às primeiras páginas dos media italianos, provocando um grande movimento de
apoio a nível nacional que levou o presidente da câmara de Locri, Giovanni
Calabrese, a assegurar interinamente a liderança do clube para que este pudesse
continuar a época.
Dinheiro
e poder
“Locri
é a Itália e nós não nos rendemos”, escreveram as jogadoras na página de
Facebook da equipa. “Para nós é uma
segunda família. Não é a família de sangue mas partilhamos a mesma paixão”,
explicava no sábado aos jornalistas Rosanna Rovito, uma das jogadoras. “O jogo
de domingo é importante para nós mas agora a solidariedade tem que se
transformar em qualquer coisa de concreto.” “O problema não é apenas o momento actual”,
reconheceu Tavecchio. “É preciso chegar ao fim do campeonato e nós vamos
fazê-lo com o apoio da federação, porque tendo em conta a gravidade da situação
do desporto no Sul de Itália e o modo como as mulheres são tratadas no mundo, é
preciso evitar traumatismos.” Nesta região onde reina o desemprego – 23,4%, a
taxa mais elevada do país – e reina a ‘Ndrangheta, considerada a organização
mafiosa mais poderosa da Europa, foi aberta uma investigação policial para
tentar determinar a origem das ameaças.
A
equipa é “uma fonte de orgulho para esta região”, disse à AFP Nicola Gratteri,
procurador anti-mafia. “Elas não podem absolutamente desistir”, insistiu,
apelando a que seja organizado um apoio psicológico para ajudar as raparigas a fazerem
face ao stress. Este magistrado sabe-o por experiência própria: aos 57 anos,
vive há 26 anos sob protecção policial, depois de numerosas ameaças e
tentativas de assassinato. Mas para ele, é pouco provável que a ‘Ndrangheta
seja responsável pelas ameaças. É verdade que as mafias do mundo inteiro
interessam-se há muito pelo futebol, ondes reciclam muito dinheiro sujo e
lucram muitíssimo com os jogos viciados, sobretudo nas divisões inferiores, mas
a‘Ndrangheta “está presente onde há dinheiro a ganhar e poder a conquistar”, e
no futebol feminino “não há nem dinheiro, nem poder”, sublinha Nicola Gratteri.
Para além disso, conclui, a ‘Ndrangheta não fura os pneus, ela faz explodir os
carros (Público)
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