O videoclip de "Revolution" (2015) começa com um ataque a uma vila algures no Curdistão. Há gente a fugir em desespero, corpos estendidos no chão, crianças inertes amparadas pelas mães. No meio da confusão, surge uma mulher de cabelos ruivos e sapatos dourados. Bonita e maquilhada, caminha em direção a um tanque e detém-se diante deste, como na imagem icónica tirada na Praça de Tiananmen, em 1989, quando ela tinha só sete meses. É então que exibe um cartaz: "Stop The Violence" (parem com a violência). Depois começa a cantar, em cima de um tanque, de punho fechado:
United, united we're marching yeah
United, united we're marching yeah
Stand up, we are united
Together we can survive it
Darkness will never take us
Long live to every nation
Muitas das mulheres, homens e crianças que aparecem nas imagens não são figurantes: são refugiados curdos que fugiram da guerra na Síria. O vídeo – que tem mais de cinco milhões de visualizações no YouTube – também não foi gravado num qualquer estúdio de Hollywood, mas na cidade de Arbil, no Curdistão iraquiano, a pouco mais de três quilómetros de onde as forças curdas lutavam contra o Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico. As filmagens tiveram que ser interrompidas várias vezes por tiroteios e bombardeamentos.
Helly Luv, a voz desta "Revolution", podia ser uma qualquer pop star ocidental: no Instagram, ela aparece deslumbrante em Santorini, promove a sua própria linha de joias, revela o orgulho por ser a primeira curda no Festival de Cannes. Mas as suas letras não falam das dores do coração e de outros temas típicos da música pop, antes pedem a independência do Curdistão e o fim do terrorismo do Daesh. Ao fazê-lo, arrisca a vida.
Filha de uma antiga combatente peshmerga (as forças curdas no norte do Iraque), Luv nasceu no meio da guerra. Um dia depois do parto, a mãe embrulhou-a num cobertor e subiu para um cavalo. Viajaram durante meses nas montanhas até à fronteira com a Turquia. "Pagámos a um contrabandista para nos fazer entrar no país. Não nos aceitaram logo no campo de refugiados, porque havia centenas de milhares de curdos a fugir das tropas do Saddam Hussein, por isso vivemos nas ruas durante algum tempo", contou à revista "Vice".
Ficaram nove meses no campo de refugiados até serem aceites na Finlândia - foram os primeiros imigrantes turcos a entrar no país. Não foram tempos fáceis. Sentiu na pele o preconceito, sofreu bullying. Procurou na música uma forma de se integrar: teve aulas de canto e de piano, mas também de dança e de representação. Aos 16 e 17 anos, trabalhou como empregada de mesa e como professora de dança para juntar dinheiro e tentar a sorte em Los Angeles. Partiu aos 18, com uma mala cheia de sonhos. Depois de muitos tropeções e falsas promessas, estava decidida a voltar à Finlândia, quando foi descoberta pelo músico, compositor e produtor Carlos McKinney, que tem trabalhado com estrelas como Beyoncé, Rihanna ou Mariah Carey.
Após o lançamento do videoclip do seu primeiro single, "Risk it All", no início de 2014, onde aparece a dançar de vestido curto junto a um leoa, a cantora curda começou a receber ameaças de grupos radicais islâmicos. Viveu escondida durante dois meses, mas isso não lhe quebrou a vontade, bem pelo contrário. Quando o Daesh atacou as fronteiras do Curdistão pela primeira vez, decidiu que estava na hora de vestir o uniforme pershmerga e lutar. À sua maneira.
"Todos os dias homens e mulheres levantavam-se, pegavam em qualquer tipo de arma e iam para a frente de batalha enfrentar o inimigo. O inimigo tinha todas aquelas armas fortes e poderosas e nós não tínhamos nada. Estas pessoas iam lutar porque eram tão corajosas e queriam proteger o seu país. Isso inspirou-me muito. Quis fazer uma canção sobre isso, para que o mundo pudesse saber o que se passava aqui". Foi assim que surgiu "Revolution".
Quando lhe perguntam pelas ameaças de morte, responde que evita pensar nisso. E não esconde o orgulho por ter irritado o Daesh. "Eles têm muito poder, em especial nas redes sociais, então a minha motivação era fazer uma música que fosse ainda mais poderosa. De certa maneira, sinto-me privilegiada por ser atacada pelo Daesh, porque isso significa que a minha mensagem é tão forte como as armas e a violência deles".
Em novembro, a cantora vem a Lisboa. É uma das oradoras convidadas da Web Summit, a maior conferência tecnológica da Europa. Neste espaço vou nas próximas semanas dar a conhecer outras histórias que poderá conhecer no evento (Expresso)
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