quarta-feira, 9 de março de 2016

Marcelo: todos os degraus até Belém

Dorme menos horas do que um recém-nascido com cólicas. Lê livros à velocidade olímpica. Na noite da Consoada, é o último a sair da livraria Galileu. Compulsivo nas compras, mas a troika domesticou-lhe o tique. No depósito do Mercedes A180 apenas entra gasolina da marca branca. Já em bebé, o comunicador tagarelava até o astro-rei raiar. Na idade miúda, nas férias com os pais e os três irmãos na Europa, trazia nos bolsos manteigas que, por graça, desviava dos restaurantes.

Menino da mamã
Pregava sustos à avó. Aluno de quadro de honra por incentivo do pai. Namoriscou no liceu a bela Ana Zanatti. Amor platónico, teve por Leonor Beleza. Tomar banho de água fria, só na baía de Cascais. Quando, e convencido por Mota Amaral, vai com Miguel Beleza Carlos Santos Ferreira a um retiro espiritual, em Coimbra, organizado pela Opus Dei, em 1970, não resiste à exigência do duche gelado. Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa passeou por cima dos tampos das secretárias do ‘Expresso’ a ditar um e dois artigos em simultâneo. Simulou, na brincadeira, um enforcamento para impressionar. Muita gentileza da parte de Francisco Pinto Balsemão, ou tanta falta faria Marcelo no ‘Expresso’, para ‘lélé da cuca’, escarrapachado na revista, não ter sido o suficiente para que visse a serventia da rua. O texto, este, caminha quase sem fôlego para tentar ser proporcional ao frenesim que desenha a natureza de um homem generoso e elétrico. A sua forma aguda de improvisar conseguiu que o embaixador do Irão não se apercebesse de que o então presidente do PSD o recebia de cuecas; molhara as calças e José Arnaut não quis emprestar o par que vestia. Inventa-se um protocolo: na sede da social-democracia em Lisboa, o líder fica sentado. E Marcelo ali ficou, com as pernas nuas escondidas na mesa. A sua fotografia encontra-se pendurada na rua de São Caetano, embora tenha dito, vésperas do congresso de Santa Maria da Feira, em abril de 1996, que não se candidataria à liderança do partido: "Nem que Cristo descesse à terra!". Uma fonte, que prefere anonimato, desculpa-o: "Marcelo é dado a exageros". Antes de ter dito o improvável, aos 40 anos, enquanto tratava de cuidar do corpo, iniciando-se no bodyboard, na prática do aikido e na natação, uma distinta modalidade em maio de 1989, esperava pelo cascalense a corrida à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. A entrada de cabeça no Tejo, as mãos no lixo e no volante do táxi não surtiram o efeito desejado. Ao contrário de Jorge Sampaio, Marcelo Rebelo de Sousa era um ilustre desconhecido. A notoriedade arrancaria em 1993 ao dar notas aos políticos no ‘Exame’ da TSF, e culminaria na condição de comentador televisivo. Agora, aos 67 anos, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ascendeu a Chefe do Estado. Um doutorado em Direito que não se importa de ser médico. Conhece as bulas dos medicamentos com a séria afinação. Não prescreve, e valha-nos isso. Somente obsequia bitaites acerca de determinados remédios, nomeadamente os que servem para esbofetear insónias. Um pequeno delírio, efeito da enorme hipocondria que o assiste, numa ocasião, na Suécia, fê-lo antecipar o regresso por ter confundido cores: viu a urina escurecer e os olhos amarelar. Errara no diagnóstico – hepatite aguda – que transmitira via telefone ao seu amigo esculápio, José Germano de Sousa. As doenças de que padece, e que se resumem a uma úlcera gástrica e a problemas respiratórios conexos às alergias, conduziram-no, e com prazer, à leitura de calhamaços sobre gastrenterologia e otorrinolaringologia. Mas a obra por onde circunda a existência é a Bíblia Sagrada. Católico apostólico romano, reza o terço todos os santos dias, não por obrigação. A oração, constituída por 50 (até 200) ave-marias, iguala-se a respirar. Deus é a parede-mestra da sua vida. Devoto e sincero diante do Altíssimo, a média quotidiana estima-se em 3 boas ações por 10 pecados. Ouvem-se cochichos de que um senhor que namora ‘ad infinitum’ uma senhora reside na desobediência da vontade divina (Correio da Manhã, pela jornalista Miriam Assor) 

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