Na semana em que completa dois anos, a operação que
investiga o escândalo da Petrobras, envolvendo quadros da petrolífera,
príncipes da construção e meia Brasília, chegou de vez à imprensa internacional
com o envolvimento de Lula. É o maior esquema de corrupção conhecido no país,
com valor desviado estimado em 10 mil milhões de euros. São 133 prisões e 84
condenações em mais de mil procedimentos criminais liderados pelo juiz Sérgio
Moro.
A
ALETHEIA
A palavra que na Grécia Antiga designava "busca
pela verdade" batizou a 24.ª e mais mediática ação da Operação Lava-Jato:
a que levou o ex-presidente Lula da Silva a depor coercitivamente na esquadra
do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Acusado de se beneficiar de obras
pagas por construtoras envolvidas no Petrolão em imóveis que garante não serem
seus, o ex-presidente aproveitou o caso para anunciar candidatura à presidência
em 2018.
B
BUMLAI
O seu nome ficou na memória de quem frequentava o
Planalto durante a presidência de Lula por ser a única pessoa, além da
primeira-dama Marisa Letícia, que poderia entrar no gabinete sem ser anunciado.
O "amigo de Lula", como lhe chama a imprensa, ou "il consigliere",
como o classificam os detratores do ex-presidente, é réu da Lava-Jato por três
crimes. Equaciona agora fazer acordo de delação premiada [ver letra T].
C
CONDUÇÃO COERCITIVA
Expressão jurídica que entrou no dicionário político
brasileiro à mesma velocidade com que Lula foi levado pelos agentes da polícia
a depor. Considerado por juristas e por observadores independentes como o
primeiro erro de Sérgio Moro na Lava-Jato, a condução coercitiva deu novo ânimo
ao líder histórico do PT. Afinal, como disse o próprio, "a jararaca ainda
está viva".
D
DELCÍDIO DO AMARAL
O senador do PT, conhecido como Antonio Fagundes do
Pantanal pela farta cabeleira branca, foi apanhado numa gravação a oferecer ao
filho da testemunha-chave Nestor Cerveró [ver letra N] uma fuga para o
estrangeiro e o pagamento de comissões em nome do então presidente do BTG
Pactual e estrela da alta finança André Esteves pelo seu silêncio. Foi o
primeiro político em funções detido na operação. Depois, fez delação premiada
(ainda não homologada) onde citou Lula, Dilma, Aécio, Temer...
E
EDUARDO CUNHA
O presidente da Câmara dos Deputados, a figura de 2015
para o bem e para o mal (sobretudo para o mal), fez a vida negra à presidente
ao mesmo tempo que se foi enterrando até ao pescoço na Lava-Jato. Citado cinco
vezes por delatores, ainda está em processo de explicação na Comissão de Ética
da casa a que preside por "falta de decoro", ao ter negado, e mais
tarde ter sido desmentido pelos factos, que possui contas na Suíça.
F
FERNANDO BAIANO
Nem só o PT está envolvido no Petrolão. Longe disso.
No PMDB, o infiel parceiro de coligação dos petistas no governo, todos os
barões já foram citados ao longo da Lava-Jato. Além de Eduardo Cunha, também
Renan Calheiros (líder do Senado) está sob investigação. O vice-presidente
Michel Temer, entre outros, também foi mencionado. Fernando Baiano era, segundo
a investigação, o operacional ao serviço do partido no esquema.
G
GOVERNO
A Câmara dos Deputados, pela ação asfixiante de
Eduardo Cunha, e a economia, com indicadores a baterem recordes negativos, são
problemas gigantescos para o governo liderado por Dilma Rousseff. É a
Lava-Jato, porém, último exemplo da corrupção à brasileira, o rastilho que pode
atear fogo nas ruas e incendiar o Planalto. Do discreto gabinete de Sérgio Moro
numa rua de Curitiba joga-se o futuro do governo em Brasília.
H
HERMES MAGNUS
A Lava-Jato chama-se assim porque desde 1997 que um
grupo de intermediários tentava lavar o dinheiro desviado na Petrobras numa
rede de lavandarias e postos de combustíveis. Foi Hermes Magnus, um
anónimocomerciante, quemdenunciou o esquema ainda em 2008 quando se apercebeu
de que a Dunel, a sua empresa, seria envolvida. Dessa denúncia, puxou-se o
novelo até se chegar ao topo da hierarquia do Estado.
I
ISHII
Newton Ishii é o rosto da Lava-Jato. Também conhecido
como "japonês da federal", o agente deu nas vistas por conduzir todos
os acusados ilustres aos cárceres do departamento de polícia de Curitiba. Mais
tarde, foi citado na gravação que prendeu Delcídio do Amaral [ver letra D] como
"o japonês bonzinho" que ajudava os detidos e fazia escapar
informações para a imprensa.
J
JOSÉ DIRCEU
O réu mais mediático do Mensalão, é só mais um no
Petrolão, o que dá a exata medida da dimensão do escândalo investigado pela
Lava-Jato. Mito da esquerda brasileira e braço-direito de Lula no governo, é um
caso típico de passagem da glamorosa condição de preso político na ditadura à
embaraçosa posição de político preso em democracia. Divide com o ex-deputado
Pedro Corrêa o duvidoso mérito de acumular envolvimento no Mensalão e no
Petrolão.
K
KODAMA
Nelma Kodama, namorada de Alberto Youssef [ver letra
Y], foi condenada a 18 anos de prisão na Lava-Jato. Detida por tentar embarcar
para a Europa com 200 mil euros nas cuecas, proclama-se "a grande dama do
mercado de câmbio" no país. Chamada a explicar-se perante a comissão de
deputados no Congresso Nacional, ficou famosa por exemplificar no depoimento
onde levava o dinheiro e por cantar tema de Roberto Carlos.
L
LULA
Se há um Brasil antes de Lula e outro depois de Lula,
também há uma Lava-Jato antes do torneiro-mecânico que chegou à presidência e
outra depois dele. De apenas mais um escândalo de corrupção num país
sul-americano, a operação conduzida por Sérgio Moro tornou-se aos olhos da
opinião pública mundial o caso que pode levar um mito à prisão. "Se for
preso serei herói, se for morto, um mártir, se ficar solto serei
presidente", reagiu Lula.
M
MARQUETEIRO
João Santana, o homem que casou sete vezes,
experimentou todas as drogas, formou uma banda, tirou cursos de quiromancia e
hipnotismo e acredita ser a reencarnação de um físico italiano, é, para a
imprensa, "um marqueteiro", termo levemente pejorativo. No PT, onde
venceu três presidenciais, preferem chamar-lhe "mago". Ao detê-lo há
duas semanas, a polícia deteve também um pedaço de Dilma. Ele era, com Lula, o
seu principal conselheiro.
N
NESTOR CERVERÓ
Antes do "japonês bonzinho" [ver letra I],
Cerveró era o "anónimo tornado celebridade" da Lava-Jato, a julgar
pela procura de máscaras de Carnaval com a sua cara (é notado por sofrer de
exoftalmia: assimetria nos olhos). Mas tornou-se mais do que isso quando o seu
filho Bernardo, ator que interpretou "O Principezinho" nos teatros,
gravou o senador Delcídio do Amaral [ver letra D], sem este saber, a combinar a
sua fuga e o seu silêncio.
O
ODEBRECHT
É o nome da maior construtora do Brasil e o apelido de
um dos presos mais ilustres da Lava-jato, Marcelo Odebrecht, outrora príncipe
da construção civil e empreiteiro-oficial do lulismo. Marcelo foi preso na 14.ª
fase da operação, em junho, ao lado de Otávio de Azevedo, da construtora
vice-líder Andrade Gutierrez, no momento mais impactante da operação até Lula
entrar em cena. Foi condenado a 19 anos. Equaciona delação premiada [ver letra
T].
P
PSDB
O PSDB, maior partido da oposição, podia estar a
surfar no sangue do PT e do PMDB. Mas não está: primeiro, porque dirigentes
seus, como o próprio presidente do partido Aécio Neves, aqui e ali são citados
por delatores. E depois porque é um saco de gatos político com três
pré-candidatos à presidência em 2018 a acotovelarem-se mutuamente: Geraldo
Alckmin, governador de São Paulo, e os senadores José Serra e Aécio Neves.
Q
"QUE PAÍS É ESTE?"
A 10.ª fase da Operação Lava-Jato chamou-se "Que
País é Este?" e resolveu prender preventivamente o diretor da Petrobras
Renato Duque, suposto elo de ligação do PT com o esquema de corrupção na
estatal. O nome deve-se à expressão, genuinamente indignada, usada por Duque,
na hora da detenção: "Que país é este?" A frase é o título de um tema
da banda Legião Urbana, tornado hino contra a corrupção nos anos 80.
R
RODRIGO JANOT
O procurador-geral da República, de 59 anos, é um dos
protagonistas da Lava-Jato. Escolhido para a função em 2013, substituindo
Roberto Gurgel, que se destacou durante o Mensalão, foi reeleito pelos seus
pares em agosto de 2015. Respeitado pela fama de incorruptível, considerou
Petrolão e Mensalão farinha do mesmo saco: desvio de dinheiros públicos para
irrigar campanhas eleitorais.
S
SÉRGIO MORO
Aos 43 anos, o discreto juiz de primeira instância de
Curitiba, no Sul do Brasil, é, a contragosto, uma celebridade. Obcecado pela
Operação Mani Pulite (Mãos Limpas), que desmontou a relação entre a máfia e os
principais dirigentes políticos italianos nos anos 1990, e pelo instituto de
delação premiada nos termos defendidos pelo juiz americano Stephen Trott, vem
conduzindo com determinação a Lava-Jato. Mas foi arbitrário, dizem
especialistas, na Aletheia [ver letra A] .
T
TROTT
O juiz americano Stephen Trott, de 76 anos, é considerado
referência mundial no instituto da delação premiada, trave mestra da
investigação da Lava-Jato, e referência para Moro. Contra os detratores, afirma
que "sem delação não há punição", mais ou menos o mesmo que defende o
brasileiro: "Queremos pescar um cardume em vez de um peixe."A pena
somada dos 13 delatores da Lava-Jatopassaria dos 200 anos, com o prémio não
chega a sete.
U
UTC ENGENHARIA
A faturação anual da construtora UTC Engenharia
cresceu 20 vezes durante o lulismo. Envolvida no escândalo da Petrobras, teve
de despedir metade dos 30 mil funcionários, vender a sede e desfazer-se de
parte dos seus negócios. O seu presidente, Ricardo Pessoa, e outros executivos
da empresa foram detidos na Operação Juízo Final, a 7.ª fase da Lava-Jato, em
novembro de 2014.
V
VEJA
Com doses iguais de legítima razão de queixa e de
mania da perseguição, o PT afirma ser vítima da imprensa - alguns petistas
chamam-lhe o PIG (Partido da Imprensa Golpista). A TV Globo e os jornais 'O
Globo' e 'Folha de S. Paulo' dizem-se imparciais. 'O Estado de S. Paulo'
assumiu preferência por Aécio Neves, em 2014. Mas é a revista Veja, da Editora
Abril, o reduto do jornalismo empenhado em apear o PT do poder via Lava-Jato
(ou por outra via qualquer).
W
WALDIR MARANHÃO
Caso Eduardo Cunha [ver letra E], o político mais
odiado do Brasil (por 76 % dos brasileiros, segundo sondagem Datafolha de
fevereiro), venha a ser destituído da presidência da Câmara dos Deputados por
causa do envolvimento na Lava-Jato, assume Waldir Maranhão. Para moralizar a
casa? Não tanto. Maranhão também é investigado pelo Supremo na mesma operação e
noutros casos anteriores.
X
XXX
A Operação Triplo X, batizada assim em homenagem do
tríplex do edifício Solaris, no Guarujá, que a investigação da Lava-Jato
suspeita que pertence a Lula, serviu de preparação para a Operação Aletheia
[ver letra A], realizada pouco mais de um mês depois. Diz a defesa do
ex-presidente que ele rejeitou o imóvel por se sentir preso por lá, já que não
podia usufruir da praia paradisíaca em frente, dada a sua posição no país.
Y
YOUSSEF
No Mensalão, o publicitário Marcos Valério deu origem
a um neologismo, o "valerioduto" por ser através dele que o dinheiro
circulava. Foi punido com a maior pena do processo: mais de 40 anos. Na era da
delação premiada, aquele que é grosso modo o equivalente a Valério no Petrolão,
o intermediário Alberto Yousseff, com antecedentes em crimes semelhantes, foi
condenado a meros três anos. Menos do que a namorada Nelma. [ver letra K]
Z
ZELOTES
Operação que investiga benefícios fiscais de membros
de órgão fiscalizador a empresas e que corre paralela à Lava-Jato há um ano.
Luiz Cláudio, filho de Lula, é suspeito de intervenção a favor de firmas do
ramo automóvel, usufruindo de medidas provisórias durante o governo do pai. Lula
é acusado de corrupção passiva e já prestou depoimento como testemunha (DN-Lisboa)
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