segunda-feira, 20 de julho de 2015

“Estivemos perto de sair da sala”. Tusk conta como travou o grexit e entala Passos

Ex-primeiro- ministro polaco, de 58 anos, explica como se deu acordo entre chanceler alemã e primeiro- ministro grego nas longas negociações de há uma semana. Para quem foi acusado pelos media de não dominar bem o inglês, Donald Tusk até tem algum jeito para fazer piadas recorrendo à língua de Shakespeare. Questionado em dezembro sobre como iria contornar essas dificuldades agora que estava a assumir o cargo de presiden - te do Conselho Europeu, respondeu em conferência de imprensa: “I will polish my english [ umtrocadinho entre uma palavra que tanto significa polir como polaco]”. Na semana passada, ao anunciar ao mundo que os líderes da zona euro tinham chegado a um entendimento sobre a Grécia, o ex- primeiro- ministro polaco anunciou: “We have an- a- Greek- ment [ num trocadilho entre as palavras inglesas agreement e greek, que significam acordo e grego]”. Segundo vários jornalistas e fontes que acompanharam a cimeira desse fim de semana, foi Tusk que, ao forçar os líderes a não desistirem das negociações a meio da madrugada, impediu um grexit ( saída grega da moeda única europeia).
Após horas de negociações, por volta das sete da manhã de segunda- feira, seis em Lisboa, tanto a chanceler alemã como o primeiro- ministro grego pareciam reconhecer que já não havia qualquer margem para um compromisso e que as conversações tinham atingido um ponto de não retorno. O principal ponto de discórdia era um fundo de garantia em que os gregos deveriam colocar bens públicos no valor de 50 mil milhões de euros e a sua localização. Angela Merkel e Alexis Tsipras pareciam dispostos a desistir de um acordo quando o presidente do Conselho Europeu lhes deixou um aviso: “Se pararem estas negociações estou pronto para ir dizer publicamente: A Europa está à beira da catástrofe por 2,5 mil milhões de euros.” O relato foi feito pelo próprio Tusk a jornalistas de sete media europeus que recebeu na mesma sala onde ele, Merkel e Tsipras viveram horas de “fadiga e irritação”.
Segundo contou, citado por jornais como o grego Kathimerini, “o primeiro- ministro holandês Mark Rutte [ verdadeiro líder dos falcões] sugerira por sms que 12,5 mil milhões do fundo fossem para pagar dívida e outros 12,5 mil milhões fossem para o investimento (...) A posição da chanceler era de 10 mil milhões para o investimento, a de Tsipras era de 15 mil milhões. E a proposta era de 12,5 mil milhões destinados ao investimento. Tanto para um como para outro era uma questão de 2,5 mil milhões. Ao mesmo tempo pareciam admitir: já chega”.
O entendimento surgiria algumas horas depois: o fundo já não teria sede no Luxemburgo, mas ficaria situado na Grécia. Estava aberta a via para um financiamento intermédio aos gregos – ontem aprovado – e ainda para um terceiro resgate internacional de aproximadamente 86 mil milhões de euros. E quando tudo parecia perdido às sete da manhã o que mudou? “Até pode parecer exagero dizer que houve algum tipo de inspiração, mas estivemos muito perto de sair da sala. Depois percebemos que estávamos de acordo e que estávamos presos por apenas um detalhe. Precisámos apenas de dez minutos para redigir o texto final do acordo”, contou Tusk aos jornalistas. Sobre a participação do FMI num terceiro resgate, o polaco assegurou: “A minha impressão é a de que Lagarde está pronta a participar neste programa.”
Numa cimeira – que chegou a estar prevista a nível dos 28, mas que depois do cancelamento anunciado por Tusk no Twitter se realizou só a nível da zona euro – todos queriam sair do edifício do Conselho a cantar vitória – até o primeiro- ministro português Passos Coelho veio a público reivindicar a ideia da autoria do fundo que permitiu desbloquear as negociações ( ver noticiário da página 16). Assistiu- se ali, como notou o site da versão europeia do Politico, a um confronto entre Comissão Europeia e Conselho Europeu, entre Alemanha e França e entre Europa do Norte e Europa do Sul. Mas no final, referiram vários media, o grande mérito terá sido de Tusk, que se destacou como mediador.
Nas declarações ontem publicadas por sete media europeus, o responsável polaco considerou que “não há vencedores ou vencidos”. O que existe, admite, “é uma falta de entusiasmo. Ninguém está satisfeito a 100%. No fim de contas a Alemanha teve de se sacrificar mais do que qualquer outro país em termos de números e de dinheiro”. Segundo Tusk, o presidente francês “François Hollande foi neutro e objetivo” e “os países mais pequenos foram muito pacientes porque para eles era inaceitável um grexit”. Questionado sobre se não terá travado a saída grega do euro apenas de uma forma temporária, admitiu que este “acordo não é uma garantia para vários anos” e manifestou a sua preocupação em relação a uma atmosfera de impaciência que alastra pela Europa e à “aliança tática entre os radicais de esquerda e os radicais de direita”.
Primeiro- ministro da Polónia no período de 2007 a 2014, cofundou e liderou o partido liberal Plataforma Cívica. Tusk, de 58 anos, chegou à chefia do governo polaco no tempo dos irmãos Kaczynski. Conviveu com Lech, que foi presidente até à sua morte num acidente de avião em 2010. E sucedeu a Jaroslaw em 2007. Com a sua saída para a presidência do Conselho Europeu, cargo em que sucedeu ao belga Herman van Rompuy, a Polónia teve pela segunda vez uma mulher no cargo de primeiro- ministro. Ewa Kopacz, atual líder da Plataforma Cívica, assumiu a chefia do governo polaco a 22 de setembro de 2014. Segundo analistas polacos, Kopacz é uma espécie de Dama de Ferro de Tusk.
Filho de um carpinteiro e de uma enfermeira, Tusk nasceu na cidade de Gdansk, cujos estaleiros navais serviram de berço ao primeiro sindicato independente da Europa de Leste, o Solidariedade. Este teve entre os seus fundadores o Nobel da Paz Lech Walesa. Durante os primórdios do sindicato, Tusk esteve envolvido nas lutas estudantis em Gdansk e nos seus tempos de universidade ajudou a fundar a comissão de estudantes do Solidariedade. Estudou História, viveu na clandestinidade durante os tempos do general Jaruzelski, chegou a ser jornalista e a participar em inúmeras publicações. Casado, com dois filhos, Tusk fez parte dos Liberais de Gdansk após a queda do comunismo. Paralelamente ajudou a fundar o Congresso Liberal- Democrata, um partido favorável à integração europeia. Na transição do comunismo, ficou responsável pelo processo de privatizações no país.
A Polónia entraria na União Europeia a 1 de maio de 2004, 14 anos depois de Lech Walesa ter sido o primeiro presidente eleito após a queda do comunismo. Com a adesão, a imigração aumentou, nomeadamente para o Reino Unido, onde se espalhou o estigma do “canalizador polaco”. Essa desconfiança em relação aos novos Estados membros poderá explicar também as críticas iniciais ao inglês de Tusk. Mas, como escreviam Sam Schechner e Laurence Norman, em 2014, no blogue do Wall Street Journal: “Ele fala alemão – o que é indiscutivelmente mais útil numa Europa em que é Angela Merkel quem dá as cartas.” (DN de Lisboa)

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